Os dias estavam passando, tenho total ciência disto, e encaro o pedaço de pergaminho que tenho nas mãos. Posso descrever-me como ansioso talvez, embora tenha rechaçado por todas essas semanas a ideia de sair desse orfanato maldito. Era tudo o que eu queria ao certo, não suportava mais a ideia de ter de voltar para cá em cada fim de ano letivo, à contrapartida, não tinha exatamente a condição necessária para atirar-me mundo à fora, à procura de Little Hangleton.
Batidas à porta tiram-me do devaneio, mas não me movo no estofado posto à janela, onde as vidraças revelam uma Londres nublada e chuvosa. Trovoadas iluminam o céu vez ou outra, e trouxas insignificantes passeiam a rua de paralelepípedos, os guarda-chuvas abertos, seus carros e carroças atropelando poças de água pestilentas e lamacentas. O trinco da porta solavancou às minhas costas, e as dobradiças rilharam, um estalido pontiagudo de calçado feminino atirando-se para dentro de meu quarto.
— Eu não disse que podia entrar...
— Mas também não disse que não podia — rechaçou ela, e eu a repeli com as narinas bufando. — Acabemos logo com isso, Tom...
— Eu não fiz nada! — Disse eu.
— Você saiu do quarto depois do horário?
— Já disse que não.
— Darwin disse que o dinheiro que ele tinha no cofre sumiu.
Amassei o pergaminho e virei-me sobre os ombros, as sobrancelhas me franzindo a testa, o corpo virando-se em seguida. Sinto a senhora Cole estremecer sobre os saltos altos e finos que usava naqueles seus grandes pés de Trasgo.
— O dinheiro dele sumiu... e o que tenho eu a ver com isso?
— Não são muitos de vocês que conseguiriam abrir um cofre trancado.
— Então fale com cada um que você acha que conseguiria, depois venha falar comigo.
— Eu não estou brincando, Riddle. Darwin conseguiu esse emprego com muito esforço, para quando sair daqui, ter como se sustentar. Agora, se você pegou o dinheiro dele...
Levantei-me o estofado e a maçaneta escapuliu de sua mão quando a porta bateu. Com olhos espaventos, a senhora Cole tropeçou um passo para trás, o pescoço virado na direção da porta, os joelhos tremelicando sob a saia rodada. Franziu os lábios e virou-se para mim, os ombros cabisbaixos desfavorecendo a pose séria que sustentava no momento em que chegou.
— Vou dizer outra vez: eu não fiz nada — disse eu pausadamente para que bem pudesse compreender.
A senhora Cole engoliu em seco.
— Certo — disse por fim —, se souber algo a respeito, vou confiar que virá imediatamente até mim.
— Eu irei sim.
— Certo... — ela pigarreou. — Boa tarde, Tom!
— Para a senhora também.
Oscilante, ela abriu a porta e saiu, o calçado repercutindo o corredor, ecoando até aqui. Maldita senhora Cole, sinceramente não sei dizer o que odeio mais, este lugar ou a própria reitora.
Segui até o guarda-roupa e, lá dentro, porém, meu diário, os livros didáticos do ano passado, pergaminhos com atividades de casa e três rolos de dinheiro trouxa. Eu o consegui noite passada, é verdade, e nem mesmo precisei da varinha para fazer o cofre se destrancar. Fez quase como se por vontade própria, e tudo o que fiz foi apanhar o que havia lá dentro, Darwin parecia tão entranhado no mundo dos sonhos, que sequer acordou.
Peguei o diário, onde guardei o pergaminho amassado, e larguei-o no móvel ao lado do pergaminho de Runas Antigas que deixara aberto para secar, Máximas Délficas exibia-se no título. Ao certo, há chegado a hora de partir deste lugar de uma vez por todas, e sei que posso usar do meu presente de natal para isso. O dinheiro pode me garantir o transporte, mas não posso simplesmente ir de uma vez, já que minhas cartas de Hogwarts estão endereçadas para cá. Deve ser feito com cautela, e primeiro devo ir sozinho. Enquanto penso, estou relendo o trabalho de runas, três dentre os cento e quarenta e sete aforismos chamando-me a atenção.
Beneficie a ti;
Use tuas habilidades;
Conheça-te a ti mesmo...
Escrevi-as, uma a uma no diário, e decidi-me que agora seria a hora de partir. Guardei o diário e a varinha no interior das vestes, emprestei o lampião que sei que Benson tem guardado para as viagens de feriado, e fui para a sala da senhora Cole para avisá-la de minha breve ausência.
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Hogwarts Mystery - os Senhores Comensais Vol. 02
FanfictionAnnellyze está em dívida, uma verdadeira luta interna onde os fatos penhoram Tom Servolo Riddle como culpado de uma SEQUÊNCIA DE ASSASSINATOS, e empecilhos diversos o sustentam como inocente, incluso seus próprios sentimentos a respeito dele. A mort...