Gjyshja resmungou franzindo o cenho pela quadringentésima vez e sacolejou os ombros, a cabeça levemente tombada para a diagonal, os olhos esquadrinhando o Profeta Diário. Bebericou o chá de hortelã e resmungou outra vez, tampouco parecera incomodar papai, que lambuzava de geleia de maçã uma torrada, salpicando-a em canela em seguida. Mordeu-a com robustez, os olhos muito castanhos no diário de crimes aberto sobre a mesa, e mamãe suspirou deste lado, o rosto enrijecido, odiava quando alguém — qualquer um — não demonstrasse pleno interesse na família ou outro emprazado presente à mesa. Buscou pela espátula — o marfim espelhando as flores no cântaro recém colhidas do jardim — assim que papai a deixou sobre a talha translucida, e me sorriu amarelado, remetendo a atenção ao seu prato.
Henry encheu-me meia xícara de leite morno e completou-a com mel, suco de ervas e folhas de melissa banhada a caldo de gengibre, salpicou-a em canela e bebi em silêncio, ninguém — exceto mamãe talvez — parecia exatamente disposto a puxar assunto, algum tipo catártico de malquistar atenção. Fora assim desde a discussão na sala de estar, e nem gjyshja ou mamãe pareciam atreitas a ideia de relembrar este dia que me resguarda como um cúmulo: a carta velada à gaveta, a ferida incurável ainda aberta no peito. Era demais para remoer; para exercer acepção, e por mais convencida que pudesse estar da responsabilidade de perdoar, o gosto amargo na boca — esse que não me deixava apreciar meu chá favorito por exemplo —, ele não me deixava render ao ato de perdoar tão facilmente, e isso é algo muito difícil de explicar; de por em palavras. Pois veja, insistir em algo que sabemos que é errado pode ser uma opção, e eu escolhi fazer o certo: é minha avó, minha gjyshja, que ama a minha mãe, e a mim, e ao meu pai — eu creio — apesar dos ressentimentos tortuosos. Perdoá-la é o que quero, e não consigo nesse momento porque dói-me o peito. Fá-lo-ei quando estiver pronta para isso.
— Com licença, senhorita Antares — disse Henry vindo da sala, uma corujinha castanha repousa em seu antebraço. — Sua carta de Hogwarts acaba de chegar.
— Ah, — exclamou mamãe usando o guardanapo. — Deixe-me ver.
— Pensei que houvessem se esquecido, mon Dieu, já ecstamos em cima da horra.
— Não é culpa do corpo docente, o conselho diretor da escola fez treze reuniões. Treze longuíssimas reuniões no Ministério; primeiro queriam fechar Hogwarts, substituir Dippet depois. Uma série de incidentes, santo Deus, e nunca pensei que veria Spencer-Moon tão perto de perder a cabeça. Tentaram, até mesmo, uma Ordem de Suspenção para o Ministro, faltou uma só assinatura da parte deles. Claro que isso envolve cargos maiores, problemas maiores, mas ainda assim...
Gjyshja pareceu-me cativa pela primeira vez na manhã, o que não passou despercebido por mamãe, que parecia remediar seus próprios princípios de conversar em família durante as refeições. Gjyshja fechou o jornal e debruçou-se à mesa em direção a papai, que fechou o diário em respeito para dá-la sua atenção.
— E... porr que non o fizeram? Longe de mim querrerr crriticarr, non obstante, minhas crrianças eston em prrimeirro lugarr semprre. Cómo Ogwarrts prretende gozarr da confiança dos pais quando já prrovado que mal conseguem manterr sus alunos em segurrança?
— Eu garanto, Heloísa, qualquer dos ensejos, seja aquele que semeou o problema ou aquele que não interviu, estão bem longe da escola, e conheço os responsáveis por Hogwarts bem o bastante para concernir que isso não mais ocorrerá.
— Fala porr si mesmo, oui? Je en doute que todos os pais pensam como você. Quem querr arriscarr, prrincipalmente quando son os seus filhos nascidos trrouxas, que realmente estarron segurros longe de casa? Eu non confiarria se fosse o caso de minha família, seus pais sim?
Papai engoliu em seco, eu percebi, e o corpo de mamãe deu um solavanco na cadeira antes de atravancar-se como uma estatueta de expressão embasbacada. Henry abaixou os orelhões e encolheu os ombros do outro lado da cozinha, imagino como já não deveria estar exaurido desta situação de curral onde gjyshja vivia nos metendo. Era, de fato, de se cair o queixo; era incrível como as perversas perguntas e respostas pareciam guiar-se pelo caminho de sua traqueia até alcançar-lhe a boca, e nunca remediava em vomitá-las aos ouvidos que quisessem e não quisessem ouvir, e ai daquele que ousar a censurar. Heloísa Crouch não conhece a censura; a sensatez e a sapiência também não, eu dispunha. Aguardou por qualquer resposta com olhos flamejantes de excitação, um brilho muito nefário que não era reflexo da janela bay, muito menos do castiçal que luzia ameno ao lado do suspensório com temperos importados de mamãe.
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Hogwarts Mystery - os Senhores Comensais Vol. 02
FanficAnnellyze está em dívida, uma verdadeira luta interna onde os fatos penhoram Tom Servolo Riddle como culpado de uma SEQUÊNCIA DE ASSASSINATOS, e empecilhos diversos o sustentam como inocente, incluso seus próprios sentimentos a respeito dele. A mort...