3. FÁBIO + THE MACHINE

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Chegar em casa era um episódio de uma novela global para Fábio, só que infinitamente superior e com ares recifenses que faziam do 'flair' dramático de sua família algo infinitamente superior à fraude televisiva.

O almoço estava na mesa, mas não na mesa da sua casa.

Isso pode parecer uma afirmação um tanto confusa para outra pessoa, mas era seu dia a dia. A família inteira "de Recife", seus pais e tios e primos, todos reunidos numa mesa, salvo um motivo urgente no trabalho ou uma calamidade, para almoçarem juntos.

Quando os tios e os primos voltaram para a capital de Pernambuco (terra natal tanto de seu pai quanto de sua tia) por... bem, motivos, lá também foram seus pais seguindo a mesmíssima rota.

Compraram um apartamento nas redondezas do Clube Internacional? Que coincidência, lá estavam os seus pais no apartamento ao lado. Não que seus tios achassem estranho, pelo contrário, Fábio cresceu com os primos sendo tratados praticamente como seus irmãos mais velhos e demoraram anos para que percebesse quão incomum era essa situação.

Claro, ambos os casais citavam os negócios como motivo, mas a maioria das famílias, mesmo relativamente abastadas, não tinham o hábito de manter uma unidade ao redor de um pater familias... Ou mater, nesse caso, visto que quem dava as ordens era obviamente sua tia, mesmo com um semblante democrático.

Fábio ainda tinha recordações vagas de um tempo em que sua avó paterna, Eugênia, estava viva. Infelizmente ela faleceu no segundo ano da pandemia do coronavírus, uns três anos atrás, mas era por isso que tinha quase certeza que o punho de ferro era herdado em um sistema matrilinear. Não é, isso é certo, que seguissem as vontades de tia Laura cegamente; existia uma comunicação intensa entre os Cavalcanti num geral, quando uma decisão precisava ser tomada, incluindo até os mais novos, com um enfoque particular nos diálogos entre seu pai e ela, mas tanto tio Humberto como sua própria mãe normalmente assumiam posturas de, como falavam brincando, 'seguir o voto da relatora'.

A sua família era algo curioso, definitivamente, mas não era de todo desconfortável... quer dizer, não sempre, e eis a questão que trouxe essa reflexão toda: O almoço estava servido, na mesa de seus tios, e Mariana não parava de soltar piadas sobre a sua cena emocional com Carlos que ocorrera uma boa hora antes. Um abraço, segundo ela, 'lindo e cinematográfico, cena de um romance quebrando as barreiras do destino e enfrentando o dogma dos vínculos d'alma'.

Ela estava obviamente debochando da sua cara, sem um pingo de piedade, como era a obrigação de uma boa irmã mais velha (mesmo que fosse, factualmente, apenas uma prima). Enquanto isso, Fábio permanecia comendo educadamente, segurando o impulso de virar a caçarola com um delicioso guisado, um desperdício inaceitável, na cabeça da mesma.

"Mari, por favor, para de provocar o Fábio dois segundos e me ajuda a escolher as flores, você me prometeu", quem reclamava tinha cabelos cabelos e barba escuros cortados impecavelmente, roupas sociais com as mangas da blusa branca dobradas até o cotovelo para que não virassem vítimas de algum molho qualquer. Parecia o herdeiro espiritual de Bettina Rudolph, com um (na realidade inexistente) vídeo impactante no YouTube chamado 'Como se tornar um milionário aos 25 anos'.

Mas era apenas Pepi, o primo mais velho que, mesmo com a aparência demasiado heteronormativa para o seu gosto, tinha um dos corações mais moles daquela família. E, além disso, estava há alguns meses do casamento com sua alma gêmea, era uma criatura profundamente indecisa e aquela era a quarta vez que estava mudando os arranjos florais da decoração do recém-referido casamento.

Mariana revirou os olhos, sua notória paciência curta já num notável estágio de degeneração.

"Pedro Henrique, irmãozão, amor da minha vida, eu te juro que não tem nada errado com o último arranjo que você escolheu!" respondeu com uma falsidade tão sacarina que não colava.

Traços na PeleOnde histórias criam vida. Descubra agora