Carlos e Otto subiram no ônibus ainda agarrados um ao outro. Enquanto procuravam um lugar para sentar, alguns dos passageiros olharam para seus rostos por alguns breves momentos, antes de sorrirem abertamente ao compreenderem o que estavam vendo.
Felicitações não verbais à parte, no final das contas, não havia uma única cadeira vaga. Acabaram por ficar em pé no percurso para o centro, ao lado de um casal de idosos, ambos aparentando seus oitenta anos. Carlos estava se segurando nos ferros, enquanto Otto se abraçava contra o menor, escutando a mulher tagarelar animadamente.
"Vocês são um casal adorável, lembra quando a gente se encontrou pela primeira vez, Sebastião?", a senhora perguntou animada pro marido, que assentiu calado com um sorriso permissivo. "Mainha só faltou arrancar meu couro quando ficou sabendo que tinha fugido do Damas pra encontrar com ele! Meninos, vocês não tem ideia de como tudo era cheio de frescuras nos anos 50, a maioria dos pais não deixavam almas gêmeas se encontrarem, mesmo quando eram da mesma cidade, até os dezesseis anos! Ideia de jerico."
Otto escutava tudo entretido, a cabeça apoiada na de Carlos, enquanto sorria para mulher e assentia nas partes adequadas.
"Mas ainda bem que deu tudo certo, né?!" Carlos interagiu com a conversa, emocionado com a dificuldade do casal idoso ao mesmo tempo que aproveitava o aconchego de sua alma gêmea contra si.
"Tudo certo? Eu passei seis meses sendo vigiada e quando meu pai aceitou que a gente se encontrasse? Ele ficou na mesma sala, calado, mexendo no revólver!"
A conversa animada demorou quase meia hora, um absurdo, tendo em vista que o centro da cidade era praticamente do lado do colégio; eram menos de 3 quilômetros até o shopping!
Se despediram da senhora e seu companheiro de pele, descendo na Conde Da Boa Vista que fervia naquela hora, até que olharam pro céu; este, que estava praticamente negro de nuvens carregadas, pareceu olhar de volta. Um brilho rápido na distância seguido de um trovão, anunciou uma previsão pouco amigável.
A APAC não tinha dito nada sobre pancadas de chuva, não é possível que o céu fosse cair, né?
Estavam caminhando para as escadas rolantes, apenas trinta segundos depois de entrarem no shopping abraçados, quando um muro d'água desabou. O barulho foi tão violento que olharam para trás, ainda dando pra ver um pedaço do portal de entrada. Além deste, era apenas uma cortina cinza de água. Otto olhou para Carlos, o rosto sem um pingo de decepção.
"Acho que a gente vai precisar ficar um tempinho depois do Burger King por aqui, com uma chuva dessas... Triste, acho melhor avisar mainha." comentou antes de tomar os lábios do outro mais uma vez, antes de pegar o celular.
Carlos, o rosto quente pelo beijo, fez o mesmo, observando a chuva com bom humor antes de voltar a falar:
"Quer ver o que está passando no cinema? Já que né..." gesticulou para o lado de fora.
O mais alto tentou conter o sorriso, respirando fundo o cheiro agradável de um perfume que não conseguia identificar no cangote do outro.
"Que tal a gente fingir que pretendemos voltar pra casa cedo num dia de semana, antes de soltar a verdade pros nossos pais? Deixa a chuva cair mais um pouco e eles vão insistir pra gente não sair daqui."
Subiram na escada, Carlos na frente e Otto abraçando ele pela cintura no degrau seguinte, se lixando para os avisos para pular um degrau. Normas de segurança? Desconheço.
O primeiro soltou um risinho, beijando o topo da cabeça do outro, acessível graças à configuração da escada.
"Mainha não vai cair, mas quem liga né..." , falou rindo, só saindo do aconchego para puxar o outro quando chegaram no andar.
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Traços na Pele
RomanceEm um mundo tão próximo ao nosso, mas ao mesmo tempo tão diferente, onde uma pequena parcela da população manifesta vínculos especiais durante a puberdade, Carlos é apenas mais um romântico que desenha traços na pele, na esperança de um dia receber...