5. OTTO N' ROSES

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No dia seguinte, pela primeira vez em sabe-se lá quantos anos, Carlos acordou para assistir uma Bia já bem desperta. Sorriu de leve, ao balançar a cabeça, descendo do beliche, percebendo que ela estava tentando conter o riso ao ler algo em seu braço, um hidrocor em mãos para escrever uma resposta. Não pôde deixar passar a oportunidade de bagunçar os cabelos já selvagens da irmã que, entretida como estava, nem se dignificou a responder.

O ritual matinal correu relativamente inalterado: brigou com Bia para escovar os dentes na frente do espelho, convenceu a irmã a tolerar sua companhia até a escola por mais um dia (prometendo ser o último, pela enésima vez), chegou na escola cedo demais e aproveitou para tirar um cochilo. Até a chegada de seus (insuportáveis) melhores amigos, curiosissimos sobre, nas palavras deles, o poliamor da Bia. A descrição fez com que a expressão neutra de Carlos se transformasse em uma careta.

"Do jeito que vocês falam, parece até uma coisa indecente", reclamou.

"Ah, menino, indecente o quê? Deixa de besteira! É a primeira vez que eu conheço alguém que tem mais de uma alma gêmea, não corta meu barato!" a garota devolveu, sem pena.

"Ah, Carlos, relaxa! Tu sabes que manifestações são incomuns, ainda por cima uma múltipla? Um caso em mil fácil, né? Acho que mais raro que isso, não sei! Óbvio que íamos ficar curiosos!" Fábio foi logo se apoiando animado no amigo, os olhos brilhando de curiosidade e animação: "Eu acho, não tenho certeza, mas lembro de ter visto que no estado inteiro o número não chega nos quatro dígitos, então deixa a gente fuxicar em paz!"

O irmão mais velho do assunto resmungou, não gostando muito de sua irmã ser tratada como uma curiosidade, mas não os repreendendo mais. A manhã seguiu sem mais incidentes até o terceiro horário, quando a professora de história, Ingrid, chegou na sala ofegante e muitíssimo atrasada.

"Gente, me desculpem, minha filha teve febre e eu não estava conseguindo arrumar ninguém pra ficar com ela..." a mulher jovem falou enquanto mexia em sua bolsa, claramente estressada ao praguejar um pouco alto demais. "E ainda esqueci os pilotos, puta que pariu!"

Talvez tenha sido pena ou um fio de misericórdia, o motivo da sala ter ignorado completamente a última parte. Ninguém estava querendo ver uma das melhores professoras receber uma advertência da administração por um dia ruim, afinal. Se fosse Aurélio, ao menos dez alunos estariam correndo e berrando pra diretoria nessa altura, mas não era o caso.

"Tudo bem, professora, eu vou buscar um na secretaria pra senhora", Carlos se ofereceu, tendo zero problemas em ajudar uma das raras figuras do corpo docente que era querida por todos os alunos.

"Ai, sério? Muito obrigada, Carlos!", a mulher exclamou aliviada. O adolescente se levantou, esperando se afastar um pouco da sala para começar a correr, chegando na secretaria em tempo recorde.

A situação lá foi bem rápida, Carlos simplesmente informando a falta dos pilotos e recebendo logo dois extras, queridinho como era por dona Elenice, a melhor funcionária daquele colégio. Despediu-se e, em sua pressa em voltar correndo para a sala e não atrasar ainda mais a aula, saiu em disparada pelo corredor principal. Como diz o bordão, a pressa é realmente inimiga da perfeição, e o rapaz falhou em perceber outro aluno que acabara de sair do banheiro, o que resultou numa colisão com força suficiente para levar ambos ao chão.

"Meu deus, me desculpa!" Carlos exclamou mortificado ao se perceber caído em cima do peito da vítima de seu descuido, seu corpo travando com o grau de proximidade que se encontrava com... o primo de Fábio?!

O impacto com o chão, com o agravante de ter sido o amortecedor do outro, visivelmente tirou o ar do rapaz no chão.

Ottaviano demorou alguns segundos para conseguir ficar coerente o bastante para entender o que tinha acontecido e em quem tinha se chocado contra si.

Traços na PeleOnde histórias criam vida. Descubra agora