What a feeling!!, beings believing
I can have it all now I'm...
O adolescente na cama de cima do beliche soltou um grunhido. Ele sempre gostou de "Flashdance", mas, depois de um ano com aquela mesma canção como despertador, o amor estava rapidamente se transformando em ódio.
"Mainha, pelo amor de Deus, desliga isso, já acordei" falou sem conter a irritação.
O apartamento pequeno no bairro da Madalena tinha apenas um quarto, uma sala/cozinha e um banheiro. Com a porta do cômodo aberta, dava para ver uma mulher negra que desfazia um nó incômodo nos cachos enquanto coava o café, sorrindo quase triunfante ao escutar a voz do filho, seguida do gemido de puro sofrimento de sua mais nova.
"Se te acorda tão rápido, Carlos, eu considero um sucesso!"
Esse nível de deboche era quase inapropriado para as cinco e quarenta da madrugada. Carlos grunhiu, levantando a cabeça, os cabelos em pé e indomáveis após a noite de sono. Desceu com os olhos meio fechados ainda, dando duas batidas na perna coberta da irmã mais nova.
"Acorda, Bia" murmurou com voz rouca enquanto se arrastava até o banheiro, esperando que a água fria o trouxesse de volta à vida.
A adolescente levantou parcialmente o cobertor da cabeça, os cabelos cacheados parecendo um ninho, olhando para o irmão com um rancor que provavelmente conseguiria deixar um espectador assustado. Pena que já era algo tão habitual nas manhãs ocupadas que mal surtia efeito nos dois outros membros da família.
"Por quê vocês me odeiam?" a voz da jovem escapou quase que como um ganido, ao iniciar sua performance matinal.
Carlos ignorou o drama diário, saindo do banheiro dez minutos depois e infinitamente mais decente, os cabelos lavados com os cachos altos bem definidos e o uniforme já devidamente vestido ao ajeitar os óculos no rosto.
"Bom dia, Docinho" cumprimentou beijando a bochecha da irmã que já estava sentada na mesa e indo beijar a da mãe. "Florzinha."
"Dia" a mais nova soltou como se apenas o ato de falar lhe causasse dor física, já Helena sorria, devolvendo o beijo na testa do filho com um riso preguiçoso antes de falar:
"Agora corre pro banheiro, menina, eu tenho pavor de imaginar como seriam as manhãs aqui em casa se a escola não fosse aqui do lado!"
Beatriz revirou os olhos, obedecendo a mãe sem muitas queixas, afinal? Não poderia chegar no colégio nada menos que perfeita.
Seria inadmissível.
O rapaz riu debochado, sabendo exatamente o tipo de dondoca que era sua irmã, na escola. Sentou-se ao lado da mãe, servindo-se de café e leite (mais leite do que café, na verdade) antes de passar a manteiga no pão.
"Passaram rápido, as férias, né?" puxou conversa.
Sua mãe deu uma mordida no sanduíche de queijo coalho, soltando um gemido de sofrimento dramático, respondendo depois de mastigar.
"Agora eu vou ter que voltar ao sofrimento diário de lidar com várias salas cheias de um bando de aborrecentes como vocês dois, todo santo dia... Péssima escolha de vida, devia ter feito veterinária."
"Mas o que é a escola se não uma selva cheia de animais exóticos?" Questionou com um tom pseudo-filosófico.
Helena grunhiu, seu rosto um misto autocomiseração e bom humor.
"Novamente, veterinária, especialização em fauna urbana de pequeno porte..." levantou a mão preguiçosa para cutucar a testa do filho. "Dois animais exóticos em casa já bastam."
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Traços na Pele
RomansaEm um mundo tão próximo ao nosso, mas ao mesmo tempo tão diferente, onde uma pequena parcela da população manifesta vínculos especiais durante a puberdade, Carlos é apenas mais um romântico que desenha traços na pele, na esperança de um dia receber...