Prólogo Pt. 2

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Cerca de um mês atrás.

   Estava tentando passar entre um aglomerado de pessoas, enquanto voltava para a fila de compra de ingressos e, quase literalmente, tomei um tombo quando percebi o tamanho da fila. Não haviam menos de trezentas pessoas ali, Izzy certamente me mataria. Já estávamos na fila a algum tempo, mas a vontade incessante de Izzy querer retocar a maquiagem e eu, posteriormente, de querer ir ao banheiro nos custou uma vaga na fila já quase no fim.
   Só fomos ao México por conta de que o pai de Izzy tinha reuniões de sua empresa no país latino, que nos convidou. O pai de Izzy, Frederic Sinful possuía uma grande empresa de transportes em geral, a TheSinful. Uma das maiores transportadoras do México. Me questionava sobre o quão desgastante deveria ser ter uma empresa num lado do planeta e morar do outro lado.
   Com sorte e muita lábia de Izzy, conseguimos a permissão de Frederic para ir a uma Feira da Música, que acontecia já há alguns dias na Praça Garibaldi. Embora fosse enorme o salão, ainda havia mais movimento do lado de fora, onde as barracas foram instaladas.
   Estava com muito desânimo, mas resolvi encarar a fila outra vez.
   — Anna! — de repente a ouvi, mesmo com tantos barulhos, ao se aproximar de onde ficavam os banheiros. 
   Izzy — Isabelle Sinful — é um pouco mais alta que eu, branca e de longos e ondulados cabelos pretos. Possui o corpo mais belo que já vi: cintura pequena, seios avantajados e toda torneada. A maquiagem recém restaurada havia ficado maravilhosa: cílios postos, batom vermelho e o que nunca poderia faltar nela; brincos de argola e piercing no nariz.
   Ela vinha “atropelando” todos com seu sapato de salto alto, mexendo de forma demasiada o seu quadril. A música que tocava em alguns carros estacionados — não muito distantes dali — a fazia parar em alguns momentos e dançar. Mesmo assim ela ainda vinha diretamente até mim, enraivecida com minha lerdeza.
   — Eu disse que seria só um minuto! — ela reclamou, desacreditada, assim que chegou. — Eu iria voltar em um minuto, em um mísero minuto, Anna! — continuou, enquanto eu fingia que não a escutava devido ao som, o que não foi suficiente, já que virou-me de frente para ela e me balançou. — Anastácia!
   — Me desculpe, me desconcentrei e passaram na minha frente. — Contei, frustrada. 
   Izzy respirou fundo e deixou com que o ar saísse de seu pulmão lentamente. Ela pegou a bolsa e buscou por algo. Logo retirou um batom vermelho e um espelho, maquiando-se, como se aquilo fosse uma espécie de ritual para acalmá-la. Izzy sempre fora bela, em todos os quesitos. Seus olhos eram médios em tamanho e sua boca pequena e bem desenhada, dentes incrivelmente brancos, pele lisa, levemente bronzeada e sem oleosidade.
   Isabelle certamente tinha orgulho de sua beleza sem esforços, visto que não fazia academia para ter aquele corpo e já nascera linda.
   — Achei que tivesse ido ao banheiro para se maquiar. — Cruzei os braços e a encarei.
   — No caminho um russo lindo acabou me beijando. — Ela revelou. — E digamos que ele usa bem aquela boca. — Izzy passou levemente a língua em seus lábios, e os homens próximos fascinaram com tamanha sensualidade.
   — Vou ter que perguntar: como sabe que ele era russo? — pergunto, sabendo que iria me arrepender de ouvir a resposta, ou que seria muito engraçada.
   — Ué, ele era ruivo. Ruivo, russo, tudo ru. — Izzy levantou dois dedos e os movimentou, tentando colocar sentido em russo e ruivo.
   — Sério amiga? Nem todos os ruivos são russos. — Falo, mas ela ignora.
   Quando percebemos a fila começar a andar, pude perceber os gritos de empolgação de Izzy que, sem se importar com os muitos mexicanos a olhando, começou a cantarolar e sacudir seu corpo. Olhei o celular e percebi que se aproximava das 7h da noite, meia hora antes do início das apresentações, talvez por isto a fila andava cada vez mais rápido.
   De uma maneira sensual, notei Izzy abaixar-se no chão e pular, quase esbarrando no trio de amigos em nossa frente. Vê-la tão empolgada me deixava feliz, era uma grande pena não ter minhas outras amigas conosco. 
   Katherine era a outra amiga que completava nosso conhecido trio do instituto, nossa mais estudiosa e inteligente amiga que por motivos de cursos, impostos por seus pais, não pôde vir. 
   Desde o dia em que Luna, minha amiga de infância, havia ido morar fora do continente, me aproximei de Izzy e Kat, ambas eram muito conhecidas e populares, mas longe de serem patricinhas. Kat era presidente de um punhado de clubes dentro do instituto, responsável por grandes festas, palestras, viagens e concertos, já Izzy era fora da lei, quem organizava as festas mais proibidas, os “rolês” da noite, a curtição, aquela que era amada pelos homens e odiada pelas mulheres.
   Infelizmente, não gostavam de Luna e obviamente por isto que Izzy se enraivecia ao me ver passar, na galeria do celular, várias fotos de mim e ela. Luna era travessa, sem papas na língua, falava sempre tudo na face e zombava muito. 
   Bati os pés no chão em uma dança disfarçada, enfiei minhas mãos nos bolsos de minha jaqueta, olhei para o lado e vi os rostos cansados das pessoas que esperavam para comprar o ingresso.
   Parei um pouco para ver um vídeo antigo e apertei para que reproduzisse. No vídeo, Luna e eu tínhamos quinze anos e estávamos em minha casa, tomávamos refrigerante enquanto ela usava a maquiagem que pegara de alguém para criar falsas sardas no rosto, claramente zoava uma garota que não gostávamos. 
   Ri um pouco, me lembrando daquele momento, enquanto caminhava na fila e quando o vídeo terminou fui falar com Izzy que, para minha surpresa, não estava. Pensei se deveria sair da fila para procurá-la, mas poderia deixá-la zangada outra vez por ter saído. O caixa para compra de ingressos estava tão próximo, umas vinte pessoas nos separavam agora, mas se Izzy não tivesse apenas ido ao banheiro? Não conhecíamos ninguém no México, era apenas uma viagem, ela poderia estar com raiva, ou se perdido, de qualquer forma era melhor procurar por ela. 
   Saí da fila e algumas pessoas esperaram eu me distanciar para terem certeza de que cedia o meu lugar. Empurrei outras pessoas para que saíssem de minha frente e é óbvio que me xingaram. 
   Barracas espalhadas vendiam bugigangas e coisas para comer ou beber, outro motivo para aglomerações de pessoas dificultarem minha passagem. Encontrei Izzy de costas para mim em uma dessas barracas. Toquei nela e a mesma virou-se, no entanto, fui surpreendida por outra mulher, jovem também, porém envelhecida. 
   — Que foi, caramba? — a moça de pele branca perguntou exaltada, me olhando curiosa. Percebi logo que estava bêbada e não era mexicana.
   — Eu sinto muito, achei que fosse minha amiga. — Falo, tímida.
   — Cai fora, vadia. — Ela mandou, me encarando.
   — Escuta aqui, — iniciei, a surpreendendo com meu tom elevado — não trate as pessoas com essa brutalidade.
   — Ou o quê, piranha? — perguntou com tom de ameaça, enquanto esbarrava seus seios contra os meus.
   Balancei a cabeça negativamente, não acreditava que toda aquela cena estava realmente acontecendo.
   — Vadia, piranha... — repeti os xingamentos. — Não tem um vocabulário mais decente não?
   A moça havia ficado exausta, assim como eu. Só não imaginava que a mulher voltaria ao banco de madeira, pegaria seu canivete e o sacaria para mim. Agora, mais próxima de mim e sob a luz de um poste próximo, que pude notar a grande cicatriz que começava no meio de seus seios e descia para baixo se escondendo atrás das vestes escuras. 
   Pessoas aos arredores já prestavam atenção na cena, curiosos e estranhamente animados pela briga que se seguiria. Ela grunhiu alguns xingamentos e veio para cima de mim, quando do nada, sem perceber qualquer aproximação, ele surgiu. 
Seu corpo era alto e atlético, os cabelos pretos agitados para trás, com poucos fios rebeldes caindo para frente de seu rosto. Sua jaqueta era maior que ele e as calças praticamente a mesma coisa. Seu braço era forte, grande e torneado, enquanto sua mão ainda segurava o braço da mulher. Sem demonstrar nenhuma emoção, apertou o pulso da mesma, a fazendo sentir um incômodo. 
   — Você! — ela exclamou, surpresa, enquanto seu canivete caía no cascalho do local.
Observo os dois se enfrentarem através de olhares. Como ele estava de costas para mim, apenas vi o medo e a preocupação nos olhos da garota.
   — Saia daqui! — mandou, não para ela. A ordem era direcionada à mim.
Para minha surpresa, desobedeci. Não sei qual foi o meu impulso naquele momento, mas eu escolhi permanecer onde estava. Enfim, a mulher pegou de volta o seu canivete e, me fitando com ira, saiu do local. O desarrumado, porém, incrivelmente gato rapaz me olhou ainda sem demonstrar feição alguma, onde percebi seus lindos olhos cor de avelã. A seguir virou-se para a barraca, pediu algo, normal, como se nada tivesse acontecido. 
   Uma mulher de idade se aproximou com uma sacola plástica e a entregou ao rapaz, que a pagou com alguns trocados amassados.
Ele virou-se e ainda ali estava eu, para sua surpresa o olhando. Na verdade, não me recuperei do susto de quase ser assassinada em minha primeira viagem com Izzy.
   — Obrigada. — Agradeço.
   O rapaz abriu lentamente a boca e quase me derreti. Seus lábios eram bem grossos em um tom bem rosado, seus olhos se tornavam ainda mais claros devido a grossa sobrancelha e cabelos escuros. Mas logo o gato se transformou em um completo idiota, fechando sua boca rapidamente e esbarrando em mim quando passou. Me virei para ele, nervosa, a tempo de o ver esbarrar em outra pessoa que para minha felicidade era Izzy.
   — Ei! Presta atenção, idiota! — Izzy não deixou barato, gritou com o rapaz. Mas logo o ignorou e puxou pela mão outro rapaz, o qual rapidamente supus ser o ruivo russo. — Não dá para acreditar em você, não é Anna? Saiu da fila outra vez!
   — Eu procurei você, fiquei preocupada. — Tentei me defender.
   — O.k., o.k., deixe para lá. A boa notícia é que o Jia-n... Ji-án Mou... Moucluí-cluírclóin. — Izzy tentava dizer o nome do rapaz, e observo quando o ruivo gargalha.
   — Olá. — Ele estica o braço direito. — Sou Jian Mouclóur.
   — Então é mesmo um russo? — perguntei admirada, Izzy havia acertado o país do rapaz.
   — Não falei? — Izzy fala, convencida e a olho sorrindo. Noto quando ela passa por mim, indo até a barraca onde o garoto tinha ido em outro momento.
   — Moro atualmente em Los Angeles, mas nasci na Polônia, o meu pai é russo legítimo e minha mãe, nascida na Polônia, é filha de polonês e de russa. — Jian explica. — E você?
   A pergunta me pegara de surpresa, as poucas informações que eu tinha sobre minha família era o que meu tio e pai Stefã contava. Que eu era filha de sua falecida irmã que morreu quando eu tinha pouca idade, desde então fui criada como sua filha, embora sua sobrinha. 
   Percebendo minha tristeza, Izzy apenas olhou torto para o russo, quem não tinha culpa de nada, e veio até mim, me envolvendo em um caloroso abraço. A seguir ouviu a moça da barraca lhe chamar e rapidamente foi até ela.
Jian e eu esperamos Izzy retornar.
   — Vamos? — Izzy apareceu segurando três copos. — Uísque com energético e dois morangos cortados para a minha amiga. — Ela me entrega o copo, tomo um gole e aprovo. — Sabia que adoraria. Martine, simplesmente Martine, por que é assim que bebe Martine. — Ela imita voz de homem, possivelmente imitando Jian em outra ocasião. — Para o Jian, e coquetel de frutas vermelhas para mim.
   — Tudo perfeito amiga, mas, aonde vamos? A fila está maior! — afirmei, apontando.
   — É onde eu entro? — Jian perguntou para Izzy, que confirma. — Sou um dos empresários que patrocinaram esta festa, entro e saio a hora que quero, com quem eu quero. Em outras palavras são minhas convidadas. Vamos?
   “Com certeza iríamos”, pensei. Concordo com a cabeça, tomando outro gole daquele uísque.
A noite seria longa.

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