VIII - A questão do campo

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Para tratar da nossa ideologia científica, do proletariado, e sua aplicação no Brasil, é preciso retomar a crítica à tese do XVI Congresso do PCB. Vejamos: é particularmente revelador que nas Teses não apareçam mais do que assertivas sobre a questão agrária, enquanto em outros tópicos são discorridos dados e variadas estatísticas.

Diz-se que a população rural é de 20%, não se dedicando por um instante a investigar a metodologia utilizada pelo IBGE e comparando com outras, como a da OCDE, cuja primeira tentativa de aplicação pelo IBGE revelou que 60,4% dos municípios do país são predominantemente rurais. Segundo o IBGE, que utiliza metodologia arbitrária oriunda do Estado Novo (metodologia através da qual a maior parte dos terrenos são tachados como urbanos pelas prefeituras, porque os impostos são rentáveis aos municípios), o Brasil é mais urbanizado do que os Estados Unidos, que utiliza o método da OCDE. Algo está errado.

Por que os dirigentes não investigaram a questão agrária? Afirmam, primeiro, que o Brasil deixou de ser uma economia agroexportadora, sendo que o agronegócio constituiu, em 2018, 42,4% das exportações de comodities, e tendente a aumentar.

Afirmam que o latifúndio como reserva de valor teve uma "redução drástica", enquanto que renomados especialistas, como o professor da USP Ariovaldo Umbelino, afirmam que pelo menos 60% dos latifúndios brasileiros, considerando a metologia contemporânea, são improdutivos, e que o investimento em terra, dado o caráter monopólico da relação de propriedade do solo, é um dos mais seguros. Ademais, a luta pela terra dos camponeses não só não desapareceu como encontra, ano após ano, recordes de assassinatos, especialmente no Norte, demonstrando a natureza antagônica e estágio agudo da contradição.

Nas Teses já citadas para o atual congresso, afirma-se que os assalariados da agroindústria são "grandes contingentes de trabalhadores", e refere-se ao pequeno e médio camponês e ao sem-terra como resquícios, embora relevantes. Ora! Mais de 84% dos estabelecimentos rurais são pequenos e médios, ocupando 74% da força de trabalho rural – a maioria sem estabelecer assalariamento (67%) [20]! Aí, sim, estão os grandes contingentes de massas trabalhadoras, um semiproletariado, um campesinato expropriado, junto com uma grande massa de pequenos e médios. São economias camponesas constituintes da base econômica de 90% dos municípios com até 20 mil habitantes, segundo o Censo Agropecuário 2017.

Nas áreas rurais foram identificados, entre 1986 e 2012, mais de 165,6 mil trabalhadores como vítimas de "trabalho escravo" pela Comissão Pastoral da Terra, e nos anos 1995-2006 foram resgatados pelo MTE milhares de trabalhadores em condições de trabalho escravo em 22 estados do país – mesmo em latifúndios de ponta, com tecnologia capitalista altamente desenvolvida, nosso "moderno" agronegócio que não apaga as relações pré-capitalistas, mas nelas se apoia e as reproduz de forma generalizada como base para uma acumulação sistemática de capital.

Por que, reitero, a negligência com a questão agrário-camponesa? Não se trata, decerto, de um acaso, um descuido, um "obreirismo" – os dirigentes estão longe desse desvio. Sim, trata-se de que assumir a gravidade dessa questão e a necessidade da destruição do latifúndio através da mobilização das massas camponesas choca-se diretamente com o legalismo, o pacifismo e o academicismo da direção.

A questão agrária demanda solução e a luta pela terra é uma guerra. Uma guerra pela terra. Ali o proletariado revolucionário mediante seu partido pode fincar sólidas bases, desenvolver uma acumulação consequente de forças nas melhores condições para o desenvolvimento do trabalho revolucionário, desenvolver plenamente o trabalho militar através do trabalho com os camponeses, com os posseiros, com as ocupações. Tal como ocorrera na Revolução Chinesa, na Revolução Vietnamita, na Revolução Coreana, nas Revoluções Africanas e outras mais. No campo, hoje, no Brasil, o Poder Popular pode ser efetivamente construído a curto-médio prazo – e não num longínquo futuro o qual os dirigentes do PCB rezam que nunca chegue. Assumir a gravidade da questão agrária e sua centralidade para a luta de classes seria o mesmo que expor a todos os militantes que, afinal, para a direção não se trata de revolução, não é isso o que lhes move, não são aptos para ela.

A minha ruptura com o revisionismo da direção do PCBOnde histórias criam vida. Descubra agora