Cartas pt2

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A tensão na sala não permitia que nenhum dos presentes se manifestasse. Milicianos viam a cena com indiferença e membros do conselho não eram diferentes, exceto duas pessoas.

Léia e Chishiya.

O rapaz se percebia genuinamente preocupado com Elisa.

Já Léia, encarava o irmão mais confusa que qualquer uma das outras vezes onde o garoto se mostrou diferente de seu habitual. Para que lugar do Japão viajou o Niragi sorridente que dava língua a todo mundo como um bobo de coração mole e piadinhas sem graça?

A ruiva sangrava não só pelo nariz, sua alma permanecia da mesma forma. Seu peito doía ao interior a cada nova carta que contava naquele grande salão, como se o fluido corporal fosse uma cachoeira de emoções que saísse de seu corpo ao lado direito para qualquer lugar que pudesse lhe matar.

Sem os óculos não mais podia ver ao certo quais naipes segurava, os recolhia contando em voz alta apenas pelas ordens do Chapeleiro, estas, que só sabiam se tornar mais severas. A rudeza do homem não assustava só a garota, Aguni encarava seu amor com uma lágrima sorrateira prestes a cair de seus lumes castanhos próximos a um tom de preto.

O gosto salgado já era conhecido pelo miliciano.

Não era a primeira vez que o Chapeleiro se mostrava louco pelo baralho. Desde que ele foi para a Fronteira e percebeu que não havia forma de voltar para casa, o homem inspirou-se no lema de um dos livros que leu ainda em Tóquio: "seja a mudança que você quer ver no mundo", e lá, convence alguns jogadores se juntar ao seu plano de estabelecer sua utopia. Porém, após o grande sucesso da Praia, a grande verdade de sua mentira só é compartilhada apenas com Aguni, e agora, com o passar do tempo, o Chapeleiro não consegue mais diferenciar sua falsa esperança da realidade, matando seus moradores por não oferecerem seus cartões.

Por que vocês acham que existe a última regra?

Mas ele não faria aquilo com Elisa, — embora não pareça, é importante ressaltar — ao passo que lhe lançava olhares de ordem e soberania, desenvolvia um plano rápido para não executá-la. É confuso, eu sei.

Mas cada jogador de Borderland tem sua forma de demonstrar sentimentos.

— Quantas, querida? — O timbre pausado chamava a atenção.

— Q-quinhentas e oitenta e s-sete... — Elisa engoliu seco, deixando sua voz transparecer a amargura que carregava, um misto de medo e ódio surgiam ali dentro, sendo cada vez mais alimentado pela vontade e sede vingança.

A garota cresceu tendo que lidar com pessoas piores do que aquilo, porém sua inocência era encoberta com a inteligência de seus pais, mas agora não havia ninguém para salvá-la. As imagens do fogaréu estavam em sua mente, e dessa vez, as faíscas tinham cores dentro de sua cabeça.

Uma súbita vontade de lutar por eles surgiu fazendo a jovem erguer sua postura para encontrar o "tio". Dessa vez, teria que lutar sozinha.

Ou não, pois Chishiya estava lá.

— Vejam só. — Gargalhou cínico. — Mais de quinhentas cartas. — Suspirou pesado, os mirantes brincavam entre as duas setas pelas facetas estrondosas de Chapeleiro. O homem andava em torno da garota ensanguentada ajoelhada próximo a última carta que pegou no chão, não mais, encerado.

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