Sempre houve algo na minha vida que parecia estar fora do lugar. Um vazio constante, um incômodo silencioso que crescia com o passar dos anos. Busquei preenche-lo de todas as maneiras: mais trabalho, mais estudos, mais... desleixos. Ainda assim, nada parecia suficiente. Apesar das conquistas, da—aos olhos alheios—vida bem-sucedida, minha alma continuava inquieta. Hoje, porém, esse peso parecia ainda mais sufocante enquanto eu encarava meu reflexo no espelho às 6h40 da manhã. Olheiras profundas denunciavam uma noite mal dormida, e a água gelada do chuveiro não fazia nada além de me acordar para mais um dia comum.
Enquanto desligava o chuveiro, ouvi o grito familiar da minha mãe, ecoando do andar de baixo: "Roberto, seu café já está na mesa!". Sua voz era entrecortada pelo som de um estrondo metálico vindo de fora. Parecia que uma porta de aço havia desabado no chão.
"Ai, meu Deus... essa casa ainda está em reforma?", pensei.
A casa da frente era um enigma. Desde que Dona Neuza faleceu, há quatro anos, os herdeiros venderam a propriedade. Ninguém sabe ao certo quem a comprou, mas os novos proprietários transformaram o lugar em um canteiro de obras interminável. Já haviam reconstruído tudo, do piso ao telhado, e o resultado era uma mansão de vidro, imponente e exótica, que mais parecia saída de um filme de ficção científica. Mas mesmo com toda aquela ostentação, os novos vizinhos permaneciam um mistério completo.
Descendo para o café, encontrei minha mãe e minha irmã Renata debatendo sobre a famigerada casa.
"Você viu o tamanho da penteadeira que eles trouxeram hoje cedo? Aquilo é coisa de gente muito rica! E provavelmente muito cafona", disse Renata, com um tom de falsa superioridade enquanto mexia no celular.
"Talvez seja um casal com filhos, ou... quem sabe, artistas famosos", arrisquei, sem dar muita importância.
Mas a verdade é que eu também estava curioso. Reformas que se arrastavam por anos, caminhões indo e vindo o dia todo, e ninguém – absolutamente ninguém – parecia saber nada sobre eles.
O dia transcorreu como de costume: trabalho, mensagens trocadas com Ingrid, minha noiva, e uma ou outra escapada para espiar o Tinder. Ingrid é doce, previsível e minha segurança. Mas minha mente, inquieta e rebelde, nunca se conformou com a tranquilidade. Assim que voltei para casa naquela noite, algo chamou minha atenção.
A rua, geralmente escura e tranquila, estava mais iluminada. Os refletores da casa da frente finalmente haviam sido acesos, revelando cada detalhe da construção. A iluminação era tão intensa que parecia um teatro pronto para uma estreia. Mesmo assim, a mansão permanecia silenciosa, vazia. Ou pelo menos parecia.
Depois de um banho rápido, fui para o meu quarto. Quando me aproximei da janela, notei que as luzes da mansão haviam apagado repentinamente. Fiquei ali, parado, observando o escuro por alguns instantes. E então eu a vi.
Uma figura feminina atravessava o jardim da casa vizinha, quase flutuando entre as sombras. Seus movimentos eram graciosos, mas havia algo de perturbador nela. Talvez fosse o contraste da pele pálida com a escuridão ao redor ou a maneira como ela parou abruptamente e olhou diretamente para mim. Meu coração disparou. Senti que ela sabia que eu estava ali, mesmo escondido na penumbra do meu quarto.
Naquele instante, percebi que minha rotina estava prestes a mudar. O vazio que me atormentava talvez não fosse mais apenas um eco interno. Algo maior havia chegado à minha vida. Ou alguém.
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Os Passos de uma Desconhecida - Tom Hiddleston
Mystery / ThrillerEu achava que vivia a minha vida de forma normal... tenho 32 anos, trabalho, estudo para concurso, estou em um relacionamento a alguns anos e...aos poucos eu estava estruturando a minha vida, até a primeira vez que a vi andando entre aqueles cômodos...