Capítulo 48

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- Eu vim...fazer o que devia ter feito há anos!
Nenhum dos presentes entendeu o significado daquela frase proferido pela bela mulher com um taco de beisebol em mãos. Mas tanto Cruello quanto Igraine perceberam que, pela expressão de Scarlet, não viria dali uma atitude boa. Mas, quando ela segurou o cabo do taco com ambas mãos e o moveu como se estivesse prestes a rebater algo enquanto avançava pela sala, Cruello percebeu o perigo iminente: e que não era dirigido á ele.
- MERRI, DESVIA!
O ruivo barbado tirou a atenção da coisas que verificava sobre a mesa e encarou Cruello, que acenava assustado por cima do ombro dele. E ao fazer isso, Merri contemplou, em frações de segundos, momentos de sua vida passando diante de seus olhos enquanto via a mulher de olhos carregados de ódio direcionando o taco de beisebol em sua cabeça.
Mas, como que por instinto de sobrevivência, ele conseguiu desviar do golpe nos últimos momentos, virando-se para o lado e o taco de beisebol atingiu o chão com força, seguindo por um tombo de joelhos de Scarlet, que havia colocado toda a sua energia no golpe e, não tendo acertado o alvo, perdeu o equilíbrio. Mas ela prontamente se recuperou e ainda ajoelhada no chão, tentou acertar um golpe com o taco de beisebol nas penas de Merri, que saltou para trás e caiu sentado no sofá. Isso deu tempo para que Scarlet, com um olhar desvairado, se colocasse de pé e fizesse com que o grande homem barbado gritasse quando ela empunhou o taco de beisebol acima da própria cabeça prestes a desferir o golpe final.
- Scarlet, não, não nãaaaaaaaaaao!
Foi por uma intervenção quase divina que a sala de Igraine não se tornou palco de um homicídio e a poltrona e tapete dela não ficasse repleto de sangue e miolos. A bem da verdade, no primeiro momento, Igraine acreditou que havia tido uma visão, de sua mente criando cenas fictícias, mas percebeu que era real. Cruello havia avançado para frente, detido o taco de beisebol pouco antes que atingisse Merri, Ele puxou o taco com força, conseguindo arrancá-lo da mão de Scarlet que gritou furiosa, mas com destreza, Cruello aplicou algum tipo de golpe com a mão estendida na horizontal, na nuca de Scarlet que foi perdendo a consciência e cairia no chão se Cruello não a segurasse.
A sala mergulhou em um silêncio momentâneo e foi Merri quem quebrou o silêncio.
- Obri...obrigado...eu pensei que ela iria...
- Iria sim. – Cruello respondeu, seco.
- Eu não entendo porque a Scarlet está com tanto ódio de mim! Já se passaram anos desde a última vez que nos vimos e eu pensei que estava tudo bem entre a gente!
Cruello encarou o homem com um cinismo e irritação no olhar.
- Olha cara. Se eu fosse você, pegava as tralhas e partia agora para ir apagar o fogo do matagal porque se Scarlet acordar, eu não vou deter ela, não!
- Mas você acabou de detê-la...
- Eu detive pra cobrar a dívida da vez que você me defendeu lá no rolê punk quando eu ia tomar uma garrafada na cara lançada por aquele metaleiro neanderthal. Você salvou meu rosto de uma cicatriz pra vida toda e eu acabei de salvar sua cabeça de ser rachada!
- Minha nossa, mas que mocinha violenta! – Amber se aproximou, parecendo preocupada. – Porém, deter violência com violência não é a solução!
- Não é porque você não viu o que essa mulher pode fazer quando está movida pelo ódio por alguém!
- Não podemos deixar Scarlet aqui. – Igraine se aproximou. – Ela...está bem, não está?
- Claro. Daqui AP ouço ela acorda. - Cruello se virou para Merri. – E se você tem amor á ao que tem no meio das tuas pernas, tá na hora de vazar. Igraine, onde eu posso colocar essa doida?
- Hãn...no meu quarto, vamos pro meu quarto. Ela pode ficar lá!
Os dois subiram em direção ao quarto, sob o olhar e cochichos dos demais presentes no local.

~*~

A jovem vestida toda de preto chorava copiosamente na poltrona. Ela tentava secar os olhos com os lenços de papel, mas eles saíam pretos, pelo tanto que suas lágrimas faziam com que a maquiagem escura em volta de seus olhos saísse e escorresse por sua face, lhe deixando com uma aparência péssima. Do seu lado, um jovem Cruello de moicano, com uma fita métrica jogada nos ombros, parecia nervoso sem saber como agir para consolar a amiga. Nunca a vira assim. Scarlet era uma garota forte, debochada e agressiva, como uma "gótica clichê" então vê-la ali chorando fragilizada era algo anormal.
- Vamos, Scarlet. Pare com isso! Ele não merece suas lágrimas!
- Aquele canalha! Desgraçado! Esquerdomacho maldito! – ela assou o nariz. – Como ele pôde?! Depois de ter se declarado pra mim, de termos ido pra cama, de ter falado que queria que eu fosse mãe dos filhos dele...ele me apronta uma dessas?!
- ...o que ele disse mesmo...?
- Que não estava preparado para assumir um compromisso sério! Que ele ouviu qualquer baboseira como "chamado da existência", "chamado da natureza" ou qualquer merda assim!
- Bom, o Merri sempre teve esse lado mais natureba e libertário...lembra da vez que ele largou o colégio por seis meses e foi para um retiro meio budista no meio da floresta ao ponto de meditar embaixo da cachoeira? E teve aquela vez que ele...
- Ele não quer compromisso algum exceto "lutar pelo futuro do planeta para seus descendentes"! Mas ele mesmo admitiu que não imagina tendo responsabilidade para cuidar e se firmar com ninguém! Que ele é a porra de um espírito livre em busca da elevação! Você tem noção disso?! – ela gritou. – Aquele broxa desgraçado, saiu pela porta dizendo "Eu sou um espírito livre! Não me siga!"
Cruello suspirou, tocando o ombro de Scarlet em forma de solidariedade. Não sabia como era levar um "fora" de alguém, pelo menos não de alguém com quem tivera algum envolvimento sério. Nunca tivera nenhum envolvimento sério do tipo e pretendia continuar assim. Até porque...a única pessoa que havia lhe despertado interesse de algo concreto, decidira não lhe ligar.
E lembrar-se daquilo o irritou. Por que aquela caipira não ligou para ele? Havia registrado seu número no celular dela, e a garota havia ficado obviamente e claramente interessada nele. Havia até feito uma proposta para ela quando se encontrassem, estava disposto a arriscar uma loucura e abrir mão de todo o legado social Devil. Mas, pelo visto, esse não era mesmo o seu destino.
A porta foi aberta como se um furacão irrompesse no local e ambos viraram-se com um sobressalto. Cruella Devil surgiu, trajando um escandaloso vestido repleto de plumas acompanhado por um casaco de peles e uma bota de salto e cano longo de fazerem inveja a drags. Havia tanta maquiagem no rosto dela que mais parecia uma boneca de cera e seus cabelos estavam presos em um complexo arranjo. Ela mantinha uma piteira em uma das mãos, dando uma tragada e espalhando fumaça pela boca e nariz.
Logo atrás dela, vinha um rapaz cabisbaixo de cabeça quase inteiramente raspada em estilo militar, metido em um terno. No primeiro momento, Cruello e Scarlet pensaram que o homem era um dos vários serviçais que Cruella Devil tinha. Mas quando perceberam, apenas arregalaram os olhos.
Aquele não era um serviçal. Era Alfred. Cruella Devil conseguira raspar os cabelos dele e metê-lo em um terno. Quando ele olhou para os dois amigos, estes souberam que era melhor não dizer nada por enquanto.
- O que você está fazendo ai parado, Christian?! – ralhou Cruella avançando para o sobrinho. – Já terminei de bordar as pedrarias no vestido que te mandei?
- E-eu...
- VÁ LOGO E... – ela recuou em um misto de surpresa e nojo ao ver Scarlet. – Mas que situação deplorável é essa?!
Scarlet mantinha os olhos borrados e arregalados, sentada encolhida na poltrona e apertando um lenço, parecia um panda.
- Que horror! Por que está desse jeito?! É um imenso mau-gosto! Olha essa maquiagem! Até uma criança de cinco anos se maquia melhor!
- T-tia...a Scarlet...ela está...chorando...
- Chorando?! Chorando por quê?
Scarlet não conseguia falar, ainda mais com o olhar inquisidor de Cruella DeVil. Percebendo que se demorasse muito para Scarlet falar ela certamente levaria um tapa (pois se tinha algo que Cruella DeVil não admitia era ficar sem resposta quando fazia uma pergunta direta), Cruello se prontificou e contou, de forma rápida e resumida, o acontecido. Ao final de seu relato, Scarlet permaneceu cabisbaixa enquanto Cruella encarava a garota com o rosto tão expressivo quanto uma estátua.
E então o tapa veio. Não um, mas uma sequência de chacoalhões. Chacoalhões que Cruella desferia em Scarlet que no primeiro momento não entendia o que estava acontecendo mas logo tentou se proteger como podia, mas sentada ali e incapaz de se levantar, não conseguia se proteger de forma muito efetiva.
- Ti-tia o que está fazendo?!
- Pare com isso, menina! Te orienta! Ficar chorando por peguete?! E daí que o peguete te largou?! Foi livramento! Entendeu?! LI-VRA-MEN-TO! Agora toma vergonha nessa cara, está com a maquiagem borrada, um horror! Te deixa pior ainda, parece um amontoado de derrota!
- Tia, a senhora está pegando muito pesado com ela...
- E calado você também! Tá mais do que na hora de você tomar uma atitude e agir como o Devil herdeiro que precisa ser! Onde já se viu, ficar criando expectativas por uma garota simplória que mal conheceu?!
- Do que você esta falando?!
- Não se faça de sonso!
Cruella largou Scarlet e atravessou a sala até a mesa repleta de papéis e canetas. Vasculhou ali e pegou uma pequena caderneta nas mãos, a mostrando como se fosse a prova de um crime.
- Aqui! Nessa sua caderneta, eu vi!
Ela folheou a caderneta de forma agressiva, mostrando o que parecia ser um retrato de uma pessoa feito a lápis.
- Fica perdendo tempo pensando em uma garota qualquer! Onde já se viu?! Um Devil apaixonado! Amor é a morte do dever, seu palerma!
Ela lançou a caderneta contra Cruello, o atingindo em cheio no nariz.
- Você quer gostar de alguém além de si mesmo? Pessoas como nós não podem se deixar levar por sentimentos levianos porque assim pessoas oportunistas podem se aproveitar de nossas posses e nos adestrar!
- E-eu...eu não estou apaixonado!
- Mas está perto de estar! E eu não vou permitir isso! Não agora que você está sendo o herdeiro da Devil's! Mas nem morta!
Cruello fechou os punhos com força e tomou coragem para falar.
- Tia, você pode me controlar na questão profissional, na questão da herança, mas da minha vida pesso...
- Você quer mesmo falar isso e arcar com as consequências?
Um silêncio sombrio pairou no recinto quando Cruella fez aquela pergunta, não da forma agressiva e alterada que vinha falando até então. Era de uma forma que soava não apenas ameaçadora como homicida.
- Você será o único Devil da primeira linhagem da família que irá sobrar quando eu me for. NÃO VOU deixar que você manche ou abdique a Família!!!
- Eu não...
- Calado! Eu falo e você escuta! Veja! – ela apontou acusadoramente para Scarlet sentada na poltrona. – É desse jeito que você quer acabar ficando?! Chorando feito uma criatura derrotada por causa de um amor falido?! Quer ser traído e ficar se lamentando pelos cantos? Ser enganado e afogar as mágoas em comidas gordurosas? Que tenha um rebento e precise pagar uma pensão caríssima e ainda obrigações, ainda que mínimas com a cria?! Um dia, obviamente, precisará ter um herdeiro, mas não agora e não em um futuro próximo e eu vou garantir que esse deslize você não cometa com nenhuma meretriz golpista!
O rapaz instintivamente levou a mão em sua intimidade, como se a protegesse. O que Cruella Devil faria era uma pergunta que ele até tinha medo de fazer e saber a resposta.
Cruella apagou a bituca do cigarro no cinzeiro e prontamente acendeu outro. Tossiu algumas vezes antes de dar a primeira tragada e liberar a fumaça pela boca e nariz.
- Parece que vou ter trabalho em dobro com vocês. Não poderei obter resultados perfeitamente satisfatórios profissionalmente com vocês sem consertar os desvios de personalidade e ideais que possuem. Tudo bem. Este é mais um trabalho que terei que arcar. E se eu terei que despender meu precioso tempo endireitando vocês nos moldes corretos de pessoas da alta elite londrina, eu farei! Os três, lado á lado na minha frente...AGORA!
Eles prontamente obedeceram. Cruella observou cada um com olhar reprovador.
- Vou treiná-los, digo, ensiná-los a serem pessoas respeitáveis e invejadas. Para você. – ela falou, apontando para Alfred. – Você, que não tem vontade de aprender a fazer nada, vai aprender a fazer tudo com perfeição! Um verdadeiro "pau pra toda obra"!
Ela olhou para Scarlet, que tentava limpar a maquiagem borrada do rosto com um lenço.
- Você, eu irei transformar em uma mulher empoderada. Não tanto quanto eu, obviamente, mas será uma mulher toda fabricada para causar inveja nas outras, exalando autoconfiança para usar os machos e tirar deles o que for útil. Vai trabalhar na Devil's e ser uma workaholic e uma empresária altamente feroz capaz de andar o dia inteiro com salto 15 sem perder a pose! E engole esse choro!
Cruella parou diante do sobrinho, olhando-o em silêncio de cima a baixo por alguns segundos que pareceram ao rapaz como se estivesse sendo avaliado por um jurado de concurso.
- Você será um Devil da mais alta qualidade. Não profissionais medíocres como seus pais, mas um vencedor como eu, como sua avó, como os antepassados mais importantes que estão na árvore genealógica principal da família Devil! Com talento, capacidade, beleza, requintado, classe, orgulho, soberba, liderança, agressividade e sem essas babaquices sentimentalóides de "amor" por camponesa com tranças de ordenhadora de vacas! Você vai ter amor pelas suas criações, pela Devil's, pela linhagem da sua família, pelo seu trabalho e principalmente para si próprio! – ela agarrou o rosto dele. – Essa beleza toda, com os melhores genes Devil precisa ser enaltecida, precisa ser invejada, precisa ser exibida! O legado da divosidade Devil precisa ser mantido. E eu farei com que seja exatamente o que quero que seja, entendeu?!
Os três apenas concordaram, ainda que de forma receosa.

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