Seus olhos brilhavam ao encarar o prédio desgastado pelo passar dos anos e atentados sofridos. Respirou fundo algumas vezes, não querendo se deixar levar pelas expectativas de poder ter algo dele dessa vez. Pressionou o boné marrom entre os dedos e encarou a rua, esperando ver-se livre dos automóveis para que pudesse atravessá-la e finalmente poder ter acesso ao carteiro.
O coração acelerava à medida que se via cada vez mais perto de entrar no prédio. Conseguia ouvir o som da respiração ofegante, quase como se tivesse corrido até ali. As pessoas ao redor não lhe importavam, o barulho dos carros ou o cheiro da fumaça expelida por eles lhe era indiferente. A única coisa que importava para Yoongi era ter alguma notícia de seu noivo, qualquer mínima frase que mostrasse que ele ainda estava bem. Que ainda estava vivo.
À porta de vidro, esperou educadamente que uma moça a atravessasse e sorriu breve ao pedido de agradecimento por ter segurado a porta. Seu olhar desviou para o interior do lugar, quando deixou de prestar atenção à jovem que já ia longe na calçada, a mesma sensação desesperadora querendo controlar seus impulsos quando enfim adentrou o prédio e se viu perdido dentre diversas pessoas tão ansiosas e aflitas por notícias. Caminhou até o fim da fila, imaginando a demora que seria até que pudesse ter acesso ao senhor que os atendia.
A guerra destruía, levava entes queridos, consternava os que ficavam. Nada se podia fazer a respeito dela além de esperar a vitória de seu país e uma melhora na qualidade de vida que tinham.
Yoongi era professor de história quando tudo pareceu ruir sem que pudesse lidar. O controle do Japão sobre a Coreia ficou mais impositivo e a vida da população se transformou em terror absoluto ao serem obrigados a trabalharem exaustivamente para os interesses japoneses. O governo era corrupto, obcecado por poder e medidas restritivas para ver a sociedade coreana sucumbir aos poucos enquanto sua primazia cultural era estabelecida.
De início, não conseguiu entender os motivos do governo para decidir agir de tal maneira, já que o acesso ao mundo exterior era reprimido e tudo que era transmitido para as pessoas passava por uma filtragem. A guerra não podia ser disfarçada e o Japão não se importava em mostrar o que estava acontecendo, contudo, quando um conflito mundial explodiu e o Japão se viu no meio, as ações governamentais contra as nações dominadas era de completa repressão.
Yoongi se viu obrigado a parar de dar aula na escola e assumir o novo emprego no operariado de armamentos. Conhecimento não era mais importante, o progresso tinha se tornado um sonho tão distante que parecia algo ilusório de se pensar. As informações que tinham acesso explicavam a Guerra como um conflito de interesses territoriais e Yoongi sempre revirava os olhos ao pensar no determinismo que a guerra causava. Homens mortos, nações devastadas e a ascensão do país que demonstrava maior domínio bélico.
Os Estados Unidos e a União Soviética enfrentavam-se pelo controle absoluto das demais nações, mas, para isso, aproveitaram-se dos acordos e tratados já feitos para que alianças pudessem ser feitas e a ajuda viesse.
Não existia lado certo ou errado, havia apenas os interesses econômicos e sociais que um país priorizava. Mas Yoongi conseguiu ver uma relação entre o desfecho que aquela guerra tomava e as ações do Japão. E era nítido para ele que o país que já os dominava há décadas encontrava-se em desvantagem. Constantemente perdendo poder e influência, o desfecho daquele conflito já era mais que óbvio para Yoongi. Apesar disso, viver em meio ao caos causava-lhe a nostalgia dos tempos tranquilos e confortáveis de outrora.
— Boa tarde, Sr. Min. — Yoongi levantou a cabeça e viu-se de frente para o atendente. Olhou com surpresa para ele, só então se dando conta do quão distraído estava. Entretanto, a ansiedade aflorou com rapidez quando se viu prestes a ter notícia do noivo. Sorriu tentando aparentar tranquilidade, ainda que soubesse que sua expressão em nada revelava o sentimento que desejava passar.
— Boa tarde. Há algo para mim? — perguntou ao inclinar sobre a bancada de madeira que os separava. O idoso o encarou por alguns segundos, antes de desviar o olhar para ver as horas, logo seus olhos estando sobre Yoongi novamente.
— Deixando de almoçar para vir aqui de novo? — O homem suspirou antes de dar as costas a Yoongi e procurar cartas entre as diversas gavetas e prateleiras. — Se eles descobrirem...
Yoongi encolheu os ombros ao ouvir a última parte, mas não é como se tivesse outra alternativa. Toda semana ele faltava um dia no almoço para vir até o prédio na esperanças de ter notícias de Taehyung. Na maioria das vezes, voltava frustrado para o trabalho, mas quando acontecia de ter cartas para si, todo o risco que corria valia a pena.
— Eles não sentem a minha falta. — Tentou ser sutil, ainda que não garantisse tal argumento. Uma hora ele iria ser pego e provavelmente torturado ou espancado por não respeitar as normas do novo emprego. Ele odiava trabalhar naquela indústria bélica, odiava saber que as armas que ajudava a montar nem eram usadas para defender seu país.
Observou o idoso andar com dificuldade em meios a tantas cartas, mas não desanimou. Já fazia mais de um mês que não recebia notícias de Taehyung, tinha que haver algo ali. Mesmo que fosse um bilhete com uma única frase. Ele precisava de algo para acalmar a angústia crescente de imaginar o homem que amava em meio ao perigo constante de estar no meio da guerra, dos tiros e granadas, lutando para sobreviver, apenas para que no dia seguinte tudo voltasse a se repetir.
— Encontrei. — O homem apressou-se até estar de frente para Yoongi e sorriu com carinho. Sabia que o garoto esperava pelo retorno de alguém importante e não demorou muito para perceber que o que o motivava a estar ali toda semana era o amor que sentia por essa pessoa. Há muito tempo deixou de ver o mundo por um filtro dual, seus preconceitos desaparecendo conforme conhecia e entendia mais do mundo e das pessoas que viviam nele. Compadeceu-se da situação do garoto, seu filho também foi levado e acabou sendo morto na guerra, seu corpo não podendo ser trazido porque, para os outros, era apenas mais um soldado caído. Para ele, um pai, era um parte de si que foi despedaçada em uma guerra que não escolheu participar. — Guarde-a bem para que não vejam. E só a leia quando estiver em casa.
— Obrigado, senhor. — Yoongi piscou tantas vezes e tão rapidamente que mal para conter as lágrimas, a vontade de abrir e ler o que estava escrito quase que o cegando pelo desespero. Pressionou a carta contra seu peito e fungou, emotivo pela sensação que era ter um pouco do noivo ali consigo. Com dificuldade, seguiu o conselho do idoso e escondeu a carta sob as roupas, ajeitando-se antes de se inclinar para ele em despedida e deixar o prédio.
— Cuide-se, garoto.
Yoongi sorriu e se apressou, o relógio em seu pulso indicando o possível atraso que teria, caso não andasse mais rápido. Atravessou a rua distraído, buzinas altas o assustando enquanto corria para não ser atropelado. Voltou a sorrir, os dedos acariciando o local escondido onde se encontrava a carta. Tê-la ali, tocando sua pele, era como se estivesse sendo abraçado pelo noivo, como em tantas ocasiões em que ficavam deitados no sofá, tapete ou cama e encolhiam-se um no outro em busca de amor e carinho.
Pensou no que poderia estar escrito nela, quais notícias poderiam estar implícitas em meio a tantas palavras e frases aparentemente sem sentido. Taehyung sempre dava um jeito de avisar sobre algo, uma possível ameaça, um conselho, uma declaração. Nunca era apenas uma carta para dizer que estava vivo e bem.
Alguns metros antes de dobrar a esquina e chegar na rua em que trabalhava, ajeitou sua postura, assumindo um ar mais entristecido e cansado para que não levantasse suspeitas. Ignorou a fome que começou a sentir e andou com calma até a entrada do prédio de tijolos. Apresentou seu cartão de acesso e entrou, o cheiro de pólvora e ferro já se fazendo presente e deixando-o enojado pela situação em que se encontrava. Criava armas para matar pessoas, torturar soldados, subjugar mulheres e crianças. E por mais que não fosse um dos mandantes, a culpa ainda o atormentava.
— Seu turno da tarde começa em cinco minutos. Apresse-se. — O guarda japonês o encarou com raiva e o empurrou para que começasse a andar até seu setor. Yoongi engoliu as palavras que lhe vieram aos lábios e suportou a humilhação calado, sabendo ser paciente. Aquele poder iria ruir muito em breve, ele só precisava esperar mais um pouco.
Guerras nunca eram eternas.
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À tua espera [TaeGi]
Fanfiction[Concluído] Tudo que Yoongi tinha eram cartas. Era a única forma para saber que Taehyung ainda estava vivo em meio aos caos de uma Guerra Mundial. Foi obrigado a ver seu noivo ser escolhido para aumentar o exército coreano, sem poder de escolha. Vê...