Algumas gotas escorriam por seu rosto, molhando as bochechas sujas de fuligem e poeira. O dia havia sido cansativo, precisando fazer rondas noturnas por toda a noite para garantir que seus colegas pudesse descansar um pouco. Só agora, com o sol clareando o campo tinha alguns minutos livres para escrever uma carta para seu noivo.
Taehyung sentia-se sortudo por ter sobrevivido há tanto tempo na guerra diária que travava com os inimigos e consigo mesmo. Tinha Yoongi como seu ponto de apoio, mas nem sempre funcionava, em alguns momentos, quando achava que ia morrer, a angústia o consumia e o desespero o levava a ações que jamais pensou em tomar. As pessoas realmente faziam qualquer coisa para sobreviver, era algo que mexia com o psicológico, com a moral e com os princípios estabelecidos pela educação. Ali em batalha, matar ou morrer eram as únicas opções disponíveis e se Taehyung estava ali era porque já tinha ceifado muitas vidas.
Encarou a entrada da tenda e suspirou cansado pelas horas de sono que lhe foram impedidas, a claridade indicando o amanhecer de mais um dia em que não saberiam dizer quem viveria e quem morreria. Seu dia seria tão cansativo quanto os anteriores e não havia saída para sua rotina ali com seus colegas. Às vezes, ao fechar os olhos por alguns segundos, conseguia sentir o abraço aconchegante de Yoongi em volta de sua cintura, sua risada envergonhada ou seu sorriso empolgado por estar contando como tinha sido sua aula com os alunos. Tudo aquilo, infelizmente, estava apenas em sua memória, mas eram essas lembranças que ainda o mantinham na sanidade, no lado saudável do caos em que estava.
Seu olhar voltou-se para o papel em suas mãos, as bordas manchadas pela sujeira e sangue seco em suas mãos. Quase não tomava banho, precisando se habituar em estar constantemente envolto por sangue, pólvora, poeira e suor. Higiene básica como escovar os dentes e lavar o rosto era feito em meio aos tiros de canhão, balas perdidas e gritos ameaçadores. Momentos como aquele, em que tinha a liberdade para sentar em uma cadeira de madeira e escrever uma carta sobre uma mesa eram tão raros que teve que diminuir a frequência com que escrevia para Yoongi.
A esperança de que ele recebia suas cartas e sabia que ainda estava vivo o deixava mais tranquilo, iludindo-se na ideia de que aquilo uma hora chegaria ao fim e logo estaria em casa, tendo seu noivo em seus braços provando que ele era real e não mais um sonho que o acordava na madrugada.
A caneta voltou a se movimentar pelo pedaço de folha amarelada, as palavras cuidadosamente tomando forma. Desejava contar como era a realidade que o atormentava a todo momento, do desespero que por vezes o dominava e o fazia chorar escondido por horas ou do medo que sentia em morrer sem ao menos poder vê-lo uma última vez. Queria dizer tudo aquilo, ser completamente sincero, mas não queria assustar Yoongi. Contava muito do que acontecia, mas amenizava o que podia para que não provocasse ainda mais tristeza em seu noivo.
Enxugou as lágrimas que ainda insistiam em descer, prova física da saudade que sentia dele e sorriu ao finalizar a carta, ansioso para que seu garoto conseguisse perceber os detalhes escondidos. De certa forma, era uma notícia boa, mas algo instável e incerto. Em uma guerra nunca havia certezas até que acontecesse. Apesar disso, era uma esperança e desejava de todo coração que Yoongi ficasse mais tranquilo ao saber disso.
Encarou as mãos trêmulas ao dobrar o papel e deixou um leve selar, imaginando poder ser os lábios macios de Yoongi. Sorriu e colocou o papel no envelope, um luxo que conseguia obter por ser um dos ajudantes do oficial do batalhão ao qual fazia parte. A tenda que estava era de seu superior e, como ordenado, deixou a carta sobre a mesa para que ele as enviasse para o carteiro junto com as outras.
Levantou-se da cadeira e se espreguiçou, os músculos doloridos e ferimentos o deixando consciente dos cuidados que precisava ter com seu corpo, mas não tinha tempo para tal. Se não fosse grave ou estivesse morrendo, não teria uma consulta com o responsável pelo tratamento dos homens ali. Caminhou até seus colegas que comiam bolinhos de arroz e bebiam água para ajudar a descer a comida e se sentou ao lado deles, um bolinho logo sendo oferecido a si. Agradeceu e mordeu um pedaço, o gosto do arroz puro o deixando enjoado por ser isso a comer nos últimos três anos. Quando tinha carne ou cerveja era como estar no paraíso, a maior parte dos dias era abastecida com arroz e água para que não morressem de fome.
Quando o bolinho desapareceu de suas mãos, tão rápido quanto chegou, bebeu um pouco de água de seu cantil e encarou seus coturnos, franzindo o cenho por saber que precisaria tirá-los.
Desamarrou o cadarço de seu coturno esquerdo e controlou o gemido dolorido ao retirá-lo e sentir o couro envelhecido roçando grosseiramente em suas feridas. Retirou a meia, os olhos fechados com força enquanto a retirava lentamente, as feridas voltando a sangrar por terem grudado no tecido da meia molhada. Fez o mesmo com o coturno direito e lutou contra a dor e as lágrimas.
Seus pés estavam feridos, diversos machucados pelo tempo excessivo que passava calçado e por não retirá-los mesmo quando estavam molhados pela chuva ou por ter atravessado algum riacho. Estar descalço era sinônimo de estar suscetível a algum ataque, já que não poderia correr tão bem se sofresse um ataque surpresa.
— Isso está ficando feio, Taehyung. — Um de seus colegas falou ao encarar seus pés, uma careta se formando em seu rosto. — Se começar a feder e apodrecer você vai perder seus pés.
Taehyung bufou irritado por saber que ele estava certo, mas não era como se ele tivesse tido tempo para algum tratamento nos últimos dias. Precisava estar constantemente em forma ou pronto para resolver as missões postas para si. E por mais horrível que fosse, era a primeira vez que via seus pés em dias, não imaginava que as feridas tinham ficado tão feias em apenas alguns dias. Pegou suas meias para colocá-las a fim de ir ver o médico, mas foi impedido pelo amigo que o deteve pelo braço.
— Vá descalço, você não vai conseguir tirar o coturno se colocá-lo novamente.
Taehyung assentiu e teve ajuda para se levantar, as dores em seus pés muito mais fortes agora que viu o estado em que estavam e se encontrava sem proteção contra o chão pedregoso. Tentou dar um passo, mas xingou pela dor sentida. Olhou para o chão, o sangue abaixo da sola dos pés provando deixando-o com medo de ser tarde demais e a única solução ser amputar os pés.
Seu corpo foi erguido quando o amigo ficou de costas para si. Puxou-o pelos braços e o ajeitou em seu corpo, caminhando com dificuldade até a tenda hospitalar. Taehyung agradeceu baixinho enquanto se deixava levar pelo outro, um cansaço o atingindo tão intensamente que só desejava deitar em uma daquelas macas e descansar por algumas horas.
O médico indicou que Taehyung fosse deitado em uma das macas e examinou seus pés, as sobrancelhas unidas em irritação ao ver o estado deles.
— Por que não veio antes, soldado? — perguntou ao se aproximar, examinando o estado físico dele, satisfeito por vê-lo saudável na medida do possível.
— Não sabia que estavam assim. — Sonolento, Taehyung respondeu, forçando-se a encarar o doutor e responder sinceramente a todas suas perguntas.
— Qual foi a última vez que retirou seu coturno? — Ouviu a pergunta soar distante. Procurou pelo médico e o viu procurando por algo dentre tantos frascos de vidros que haviam ali na prateleira.
— Não lembro. Acho que há cinco dias.
— Mais alguns dias e você perderia seus pés.
Taehyung fechou os olhos, querendo esquecer o que acabou de ouvir. O que importava era que já estava ali e receberia o tratamento necessário. Como precisava dos seus pés, sabia que ficaria ali por pelo menos uma semana. Sorriu frente a expectativa de poder descansar nem que fosse por algumas horas. Ficar no acampamento não significava ficar sem trabalhar, apenas não iria combater.
A sonolência o deixou letárgico, suportando apenas o bastante para escutar o médico pedindo que algum enfermeiro limpasse os machucados em seus pés e colocasse alguma pomada neles antes de enfaixá-los. Antes de cair no sono, pensou que pelo menos suas mãos estavam saudáveis para continuar empunhando uma arma para se defender e para escrever mais cartas para Yoongi que o aguardava na casa deles.
Betagem feita por waufen.
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À tua espera [TaeGi]
Fanfiction[Concluído] Tudo que Yoongi tinha eram cartas. Era a única forma para saber que Taehyung ainda estava vivo em meio aos caos de uma Guerra Mundial. Foi obrigado a ver seu noivo ser escolhido para aumentar o exército coreano, sem poder de escolha. Vê...