Dez Mil Anos

Consuma-me

Tempo é um conceito estranho, especialmente para seres imortais. Humanos sempre tiveram vidas curtas, muito mais limitadas do que qualquer anjo ou demônio, que poderia apenas ser morto ao invés de morrer, e tinham que aproveitar bem mais do que seres celestiais e infernais, para os quais era irrelevante. Contudo, essa noção sempre era mais complicada para anjos derivados de almas humanas. Sempre se tornava mais doloroso ver os minutos passando e não ter nenhuma noção de um fim. O único fim que tinham era o apocalipse, que só estava fadado a acontecer, no mínimo, cem anos após a ascensão do anticristo na vida política da terra, o que, na época em que Pip nasceu, estava ainda muito distante. Eram muito frequentes os casos de anjos humanos que enlouqueciam sem uma noção segura de tempo em que se segurar ou tarefas o suficiente para não ter um único momento para pensar nisso; por isso a maioria dos anjos humanos eram colocados em cargos de anjos da guarda ou secretários, assim sempre teriam o que fazer.

Contudo, esse não foi o caso de Pip. Na época em que foi separado de Damien, todos os cargos estavam ocupados e o britânico ficou muitos e muitos anos sem nada para ocupar sua cabeça. Os administradores não confiavam nele o suficiente para ser um anjo da guarda devido à, nas palavras deles, sua inabilidade de ficar em pé. Ele foi colocado em certos tipos de treinamento para se profissionalizar - arco e flecha, leitura, combate, registro da vida humana -, mas nada parecia adiantar. De alguma forma, seus pensamentos sempre voltavam para Damien e como agora ele estava completamente fora de seu alcance por tempo indeterminado.

De que adiantava Pip viver por uma quantidade de tempo infinita, poder morrer apenas sendo morto, se ele era forçado a passar aquele tempo em um lugar onde ele não queria estar?

Para os demais anjos, dez mil anos não era absolutamente nada comparado ao peso de toda a eternidade, mas Pip não nasceu um anjo para suportar o peso de toda a eternidade! Como ele poderia simplesmente esperar aquele tempo todo se ele não podia aguentar sequer uma semana?!

Não foram poucas as vezes em que o britânico foi levado para algum tipo de enfermaria no céu para lidar com seus ataques de pânico e crises existenciais. Ele não era o único, obviamente, mas provavelmente era sim o paciente mais frequente. Pensamentos sobre como as coisas passavam devagar demais e como ele não tinha a menor ideia de quando aquela espera toda iria acabar sempre voltavam para sua mente uma hora ou outra, às vezes com muito mais frequência do que outras. Não tinha absolutamente nenhum sentido na vida após a morte e ele sempre estava à beira de um colapso mental se parasse para pensar demais. A única maneira que Pip encontrava para melhorar, nem que fosse um pouco, aquele pensamento era se enfiar de cabeça em trabalho e mais trabalho. Ele sempre procurava maneiras de ajudar os outros anjos com qualquer coisa que eles precisassem e chegou até a fazer alguns amigos por um curto período de tempo. Mas nada era constante e ele nunca conseguiu se acostumar. Era como estar sozinho em um imenso espaço branco onde ninguém fala com você, não tem começo, não tem fim, não tem saída, e ele não tinha a menor ideia de quando - ou se - o deixariam sair.

A eternidade era um conceito muito mais assustador do que as pessoas pensavam quando ele vivo. Sempre trataram tudo como se fosse a melhor coisa do mundo, enquanto Pip não nutria à ela nada além de desprezo e miséria. Humanos tinham que esperar apenas alguns anos para reverem seus entes queridos e arrumar o que fazer durante aquele tempo - isso era problema do céu -, mas Pip não tinha não teve nada disso por muito tempo. Tanto a noção de tempo quanto à mera certeza de que poderia ver Damien novamente pareciam muito mais distantes de suas mãos do que ele conseguia aguentar.

Se não fosse pelos anjos agarrando suas asas no segundo em que a notícia chegou à ele, Pip tinha certeza de que ele teria desabado ali na nuvem mesmo se tivesse ouvido de outra forma que Damien estava procurando por ele. Bom, não era exatamente procurando, mas ele conseguiu ligar dois mais dois com relativa facilidade.