Campo de treino

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Ele nunca sabia como chegava ali, apenas abria os olhos e se encontrava em uma vasta imensidão verde com um céu azul limpo sobre sua cabeça e ele ao seu lado, olhando para a frente sem preocupação alguma em seus olhos.

Eles se encontravam no jardim. Sempre no jardim. Apesar de o fato de ser um jardim ser questionável. Não havia cerca ou flores, qualquer tipo de planta além da grama.

Pip se encontrava de pé enquanto Damien permanecia sentado. Era sempre uma escolha dele se sentar ao seu lado, tão próximo que seus joelhos quase se tocavam ao cruzar as pernas.

- Oi. - cumprimentou Pip, erguendo o olhar e sorrindo para o moreno.

- Oi. - ele respondeu com uma voz feminina, a última que tinha ouvido.

Os dois acataram um silêncio repentino, virando-se para frente e deixando o vento balançar seus cabelos. A paz naquele campo era tão estável que soava quase irreal, era irreal, mas, ah, se apenas pudessem ficar ali para sempre.Mas realidade nunca foi boa para Pip e não seria agora que isso mudaria.

- As coisas não têm estado muito boas ultimamente. - disse o britânico, cortando o ar do silêncio com sua voz e trazendo os olhos vermelhos de Damien para si. - Creio que o céu vai tentar uma manobra contra o inferno. Talvez seja melhor se manter mais atento de agora em diante.

Damien assentiu.

- Obrigado por me avisar. - silêncio mais uma vez, por aproximadamente cinco segundos, cinco batidas de asas. - E como você está?

Pip acomodou as duas mãos no colo e entrelaçou os dedos, abaixando os olhos para encará-los. Seu peito estava pesado e a dor parecia puxá-lo para baixo, para mais do que ele já estava. Ele gostaria tanto de poder contar à Damien como estava. Queria dizer o quão miserável era acordar todos os dias sozinho, deitado numa nuvem pequena demais para seu corpo, com anjos que preferiam o ver devorado do que ali presente, que apenas precisavam dele por motivos frívolos - os quais ele nem sabia quais eram - e que não notariam se ele simplesmente o arrancasse de lá em seus braços, e que se foda a guerra!

Mas ele não podia, pois não se abriria para um estranho.

- Cansado. - ele respondeu ao invés disso, contendo as pernas e apertando as mãos uma na outra. - Todo esse planejamento e treinamento é muito exaustivo. - ele não estava mentindo, só omitindo a parte mais crucial.

Damien o encarou com o rosto imparcial e se inclinou em sua direção. Suas mãos geladas tocaram seu rosto e acariciaram as bochechas. Pip suspirou e se permitiu fechar os olhos, sua expressão de dor e prazer. Ele não era real, mas a imagem era tão dolorosamente semelhante que era quase como se fosse. Aqueles toques não o enganam, no entanto. Damien não tinha mãos geladas, seu corpo inteiro era quente.

Ele pendeu a cabeça para o lado, na direção da mão do moreno, e conteve seus dedos entre os seus, como em uma teia de aranha. Seu corpo, traiçoeiro, cedeu aos toques com facilidade, como se se entregasse nos braços do amor de sua vida. Lágrimas cutucavam o canto de seus olhos, mas Pip se recusava a deixá-las cair naquele plano. Não poderia alimentar aquele mundo mentiroso com emoções falsas. A única coisa que não permitiria que arrancassem dele seria sua autenticidade. Ele se recusava a chorar em um mundo que não era seu, nos braços de alguém que não era ele, por mais que suas doces palavras ressoem em seus ouvidos, fazendo-o desejar que sejam reais.

- Eu te amo.

Damien então o deu um beijo sem gosto, apoiando as mãos frias e sem vida em seus ombros. Pip ainda assim correspondeu, era tudo o que tinha. Ele desesperadamente queria se segurar em algo, qualquer coisa que o fizesse permanecer. Mas suas mãos nunca saíram de seu colo. Seu corpo não moveu um único centímetro.

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