Anjo humano

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Observar o desenvolvimento da Terra era um passatempo que alguns anjos acataram com o decorrer dos séculos. Ver de camarote o crescimento da mais grandiosa criação de Deus e como ela caminhava para seu inevitável fim, alguns anjos até cobravam extra pelas melhores nuvens para assistir, como se fosse algum tipo de filme ou livro para o divertimento deles. Humanos eram sempre voláteis demais, com seu livre-arbítrio para esbanjar como bem entendessem, e os anjos adoravam parar um momento durante um longo dia de trabalho para ver que decisões eles tomariam que mudaria para sempre suas vidas. É verdade que isso fazia com que centenas de pessoas morressem sem seus anjos da guarda, mas eles faziam mesmo assim. Pip nunca foi particularmente muito fã disso, sempre concentrado demais em coisas completamentes diferentes do que a vida de pessoas aleatórias. Mas agora isso nem importava, pois tudo foi destruído com a última humanidade. Apenas algumas plantas sobreviveram e Pip suspeitava que nem elas permaneceriam por muito mais tempo naquele mundo. Aquele mundo já não abrigava as mesmas circunstâncias que o acolheram quando era vivo, sejam elas quais forem, e ele não sabia se estava tão empolgado assim para descobrir o que seus semelhantes fizeram daquele lugar. Em sua mente, seria mais uma decepção do que algo que o faria bem. Talvez fosse melhor ficar longe de tudo por algum tempo.

Suspenso no ar por suas asas, Pip as usava para afastar as nuvens de poeira e poluição para mais e mais longe de onde agora era sua casa. Se fosse ficar por lá, não queria o efeito de toda a maldade dos homens o atormentando e o lembrando de tudo que eram capazes. Estava lá para passar bem, não para se angustiar pelas escolhas dos outros. Enquanto pudesse fazer algo por aquele mundo, o faria de bom grado. Era o mínimo que o devia por pertencer àquela espécie desprezível.

Uma vez terminado o trabalho, pousou no topo do prédio e suspirou, cansado. Já estava aprendendo a controlar melhor a habilidade de suas asas há mais de um mês, mas não estava acostumado ainda ao quão pesadas ficavam depois das rajadas. Pip não tinha tanta experiência quanto gostaria, ao ponto de ficar cansado com muito pouco, incluindo o treino de seus milagres recém libertos. Entretanto, não podia descansar agora, pois as nuvens voltavam rapidamente com o sopro do vento em sua direção.

Isso se tornou bem comum e bem irritante. Pip não controlava o tempo, apesar de poder manipular o vento com suas asas, então a poeira sempre voltava para ele uma hora ou outra.

Ao terminar de tirar todas as nuvens mais uma vez, uma voz o chamou logo abaixo.

- Você fez um bom trabalho tirando as nuvens.

- Damien! - Pip exclamou seu nome com felicidade ao encontrá-lo e deu um voo rasante para aterrissar no prédio. - Você já voltou!

O anticristo deu de ombros com um sorriso orgulhoso.

- Me livrar de Satã foi mais rápido do que eu esperava. Ordenei à Demonius que ficasse de vigia sobre o inferno e me mandasse um sinal caso algo acontecesse.

Ainda não descia para Pip que Satã estava morto. Soava errado. Mas, se Damien realmente o matou, não havia nada que ele pudesse fazer a não ser lamentar. Satã parecia alguém tão legal. Pip desejava ter podido conhecê-lo melhor pelo tempo que ficou no inferno, mas sabia que, se Damien não tivesse feito o que fez, ele nem estaria ali agora.

- Ele tem como te alcançar aqui? - perguntou Pip, referindo-se a Demonius e os demais.

- Não. Por isso que eu dei no pé enquanto falava. Ninguém vai precisar nos incomodar aqui.

- Mas e quanto ao inferno?

- Eles não podem passar se eu não abrir os portões para eles, não têm como sair. Foi assim no apocalipse e será assim agora: eu em cima e eles embaixo, aguardando minhas ordens. Acho que, enquanto eu descia de novo, sem você, eu só percebi o quanto eu não me importo com o que acontece com o inferno. Querendo ou não, os demônios vão me obedecer se eu der uma ordem. E, se não obedecerem, uma pequena amostra de medo não fará mal.

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