Judas

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Perder a consciência não significa ter falta de dor. Se um indivíduo sofrer um golpe antes de desmaiar, ainda há uma fração de segundo em que a dor é processada antes de se perder a consciência, como eco em um quarto vazio. E foi com essa sensação dissipando que Pip despertou.

Ao abrir os olhos, o britânico foi confrontado com uma luz fortíssima penetrando seus olhos, como se encarasse diretamente no sol. O que, no caso, ele estava fazendo. Sentiu uma superfície macia debaixo de si ao dobrar os dedos; lembrava-o de sua antiga nuvem.

Arregalou os olhos e se levantou correndo, vendo que de fato estava em uma nuvem. Não a sua, mas uma nuvem. Tentou correr, mas tropeçou nas próprias pernas e caiu de volta. Olhou por cima do ombro e percebeu que tanto suas pernas quando os pulsos estavam amarrados, como quando foi levado à Damien como moeda de troca.

- Não adianta tentar se debater. - uma voz familiar se pronunciou atrás dele. Pip arregalou os olhos e seus pelos eriçaram ao sentir um vento bater em suas costas. Alguém pousava logo ao seu lado. Alguém com asas. - As cordas estão seladas com um milagre.

Pip olhou por cima do ombro e viu-se encarado por dois anjos que conhecia muito bem.

- Raphael? Gabriel? O que... O que está acontecendo? Cadê o Damien? - perguntou inocentemente preocupado, sendo confrontado com o olhar frio dos anjos. - Por favor, eu preciso voltar! S-se eu não voltar o inferno vai...

- Pode parar. Já sabemos do seu jogo, Pip. Do jogo de vocês. - Raphael o interrompeu, dando um passo à frente.

Pip estremeceu da cabeça aos pés, mas tentou não deixar transparecer enquanto dizia:

- ...Eu temo não saber do que você está falando.

Os anjos o fitaram com desdém e repulsa, como se Pip nada mais fosse que um animal asqueroso, rastejando a seus pés. Tampouco responderam seu comentário, julgando desnecessário tratar do assunto com o espertinho.

Pip pensou que poderia desafiar o céu. E o céu não gosta nada de ser desafiado.

Um pé calçado pisou nas costas de Pip, bem debaixo de suas asas amarradas. Ele encheu-se de preocupação, pois os anjos não usavam calçados fechados se não quando sabiam que iam se sujar.

- Você é um traidor à própria essência, Pip. - Gabriel murmurou com desgosto ao rodeá-lo. - E você sabe qual é nossa política com traidores, não sabe?

E a preocupação logo transformou-se em pânico ao ver Gabriel erguer uma adaga de prata em sua direção.

- Anjos traidores não têm direito à asas.

Pip abriu a boca para falar, para tentar se explicar, mas tudo que saiu foi um grito de desespero e dor ao ter a adaga cortante fincada em suas costas, bem na base da asa. A lâmina perfurou a carne sem só ou piedade, funfando-se no músculo e movendo-se para frente e para trás, como uma serra, cortando as fibras, tendões e músculos que atrelavam as asas de Pip às suas costas.

Tradicionalmente, era feito que anjos arrancassem as asas dos traidores usando milagres e puxando com as mãos. Porém, quando isso se provou algo muito bagunceiro e que estragava muitos robes bons, abandonaram o costume para algo mais prático: cortar na faca.

No chão, Pip debatia-se com o máximo de força que podia, tentando desesperadamente se livrar das amarras que o impediam de se afastar daquela dor. Porém, todo o esforço foi em vão. Raphael, que assistia a tudo, pisou em suas pernas para mantê-lo no chão, ao mesmo tempo que Gabriel tinha as pernas sobre os braços, impedindo-o de fazer qualquer movimento que o livrasse da faca. E, caso se debatesse demais, cortaria músculos que não deveriam ser cortados, apenas tornando o trabalho mais difícil. Não havia nada que Pip podia fazer a não ser permanecer deitado enquanto suas asas eram arrancadas dele.

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