Capítulo 1

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Ela despertou no meio da noite,a escuridão foi tudo o que surgiu aos seus olhos,o que já não era mais uma novidade para a mulher.

Tateando o lado direito da espaçosa cama,ao invés de encontrá-lo ocupado por seu amado,estava vazio.

Ele sempre faz isso e acha que eu não vou notar.Pensou divertida.

Considerado por muitos como "o último detetive cavalheiro",Benoit era gentil,extravagante,prático,um tanto excêntrico dependendo da ocasião,um apreciador de charutos nas horas vagas,incrivelmente inteligente e um excelente detetive.

No entanto,para Harriet Blanc,ele era mais que isso.

Benoit foi aquele que esteve ao seu lado quando ela pensou em desistir,que lhe deu a força que precisava para lutar por si mesma quando Harriet sentia que não valia a pena continuar.Ele foi seu protetor,seu melhor amigo e confidente,seu empregador e(três anos depois) seu marido.

Não foi nada do que podemos chamar de amor à primeira vista,mas essa é outra longa e conflituosa história.

com cuidado,levantou-se da cama buscando sentir sua bengala dobrável sobre o criado mudo,ao pegá-la,depositou a mão no cabo e o objeto moldou-se por conta própria.

Ela caminhou pacientemente para fora do aposento passando pelo corredor e pela sala de estar com cautela,a ponta da bengala sendo seu guia para não acabar esbarrando em nenhum dos móveis ou tropeçar nas pequenas elevações como fizera nos primeiros dias de mudança.

A casa não era enorme,mas tinha espaço o bastante para o casal viver confortavelmente já que eram apenas os dois vivendo ali,além de ter o cômodo perfeito onde eles mais gostavam de ficar.

A biblioteca.

Que também servia como escritório.

E era para onde Harriet estava indo,certa de que seu amado estaria lá.

A mulher continuou o trajeto até parar na porta de seu destino.

-Ben? -Chamou suavemente.

-Estou aqui,querida.-Ela ouviu seus passos ficando mais altos conforme ele se aproximava.-Devia estar na cama,tivemos um dia cheio hoje.-Os braços de Benoit emvolveram-na pela cintura.

-Digo o mesmo de você.-Ela retrucou tocando a lateral do rosto do marido com a mão livre sentindo seus traços únicos e a barba por fazer que Harriet achava sexy mesmo que não pudesse enxergar com seus próprios olhos.

Estava aí uma das vantagens de sua potente memória,ela se lembrava do rosto de Benoit claramente antes de perder a visão,era quase como se fosse capaz de enxergá-lo naquele momento.

Mesmo que a realidade fosse outra,fruto da crueldade de alguém em quem ela confiava.

-Touché! -Ele respondeu sorrindo.

Como a amava.

Harriet era tudo o que o detetive sonhava em encontrar numa companheira.

Inteligente,determinada,educada,prestativa,íntegra,compreensiva,corajosa,sincera,divertida e definitivamente a mulher mais bela que ele já tinha visto na vida.

Além de uma extraordinária parceira de trabalho mesmo tendo o que a maioria das pessoas chamava de "limitação".

O homem mal lembrava-se de como era viver sem a presença dela.

Seus sorrisos,a sede por conhecimento,o costume de cantarolar durante o banho,o quanto ela ficava empolgada com um caso a ser resolvido...Tudo nela o encantava um poucos mais todos os dias.

-Por que saiu da cama desta vez?-Harriet perguntou descendo a mão que estava em seu rosto para o ombro forte do marido.

-Ouvi um barulho vindo da porta e decidi verificar,desculpe,não quis acordá-la.

-Sabe que não consigo dormir sem você.

-Eu sei,minha querida,peço desculpas novamente por atrapalhar seu sono.

-Está desculpado.-Ela sorriu-Mas o que era o barulho na porta?

-Recebemos uma carta anônima.Estava pensando em ler amanhã com você,mas já que estamos aqui...-Respondeu sugestivo.

-Tudo bem.Estou mais curiosa do que cansada,uma carta anônima não é uma coisa que recebemos todo dia.Tirando aquele artigo da New Yorker sobre nós.

Benoit riu sentando-se numa das cadeiras próximas da esposa,segurando a mão de Harriet num convite silencioso e ela sentou em sua coxa esquerda,como de costume,ele beijou-a na testa.

Ela dobrou sua bengala e deixou sobre a mesa.

Encostando a cabeça no ombro de Benoit,a mulher esperou que ele analisasse a carta e lhe dissesse o conteúdo da mesma enquanto ouvia o ruído do envelope sendo aberto.

-Não é bem uma carta,meu amor.

-O que é então?

-Um pedaço de jornal sobre o suicídio de Harlan Thrombey,o que presumo ser nosso pagamento adiantado e um bilhete de alguém que suspeita que a causa da morte dele não foi suicídio.

-Um suposto homicídio,interessante.-Harriet comentou pensativa.-O que acha?

-Não faria mal investigar.Entrarei em contato com o tenente Elliott e com o soldado Wagner,eles nos colocarão a par de tudo e poderemos participar da investigação.

-Bem,temos de arrumar nossas coisas.

-De fato.Mas não faremos isso agora,precisa dormir,Sra.Blanc.Amanhã a ajudarei a arrumar suas coisas.

-Já tenho os conjuntos específicos gravados na mente.

-Você sempre tem.-Ele disse com admiração.

Ambos se levantaram e Benoit entregou a bengala à esposa.

Ao voltarem para os aposentos,deitaram-se aconchegados um no outro.

-Boa noite,meu amor.-Disse Harriet.

-Boa noite,minha rosa.

Mal sabia o casal que essa investigação seria mais complexa do que pensavam.

I don't see...but I observe - Knives OutOnde histórias criam vida. Descubra agora