A festa dos tolos

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A Grande Guerra não cessava. Meses se passaram desde a partida de Pedro, três estações para ser exato. O frio cedeu lugar a amenidade das flores e o clima da primavera com seu aroma que enchia o Vale de tão profundo perfume, aqueceu-se com a chegada do verão e tempos claros costumam melhorar os ânimos.

Passado o inverno, as estradas se tornaram mais seguras, alguns mercadores visitaram a cidade, as plantações recuperaram seu vigor, os trabalhos no campo foram sendo requisitados, a fome foi saciada e a vida foi voltando ao idílico normal. Então o vale se agitou. 

Quando tempos difíceis parecem findos, há quem mergulhe na dor e no sofrimento e ali erga sua casa, para continuar sentindo e lamentando. Há ainda quem lute bravamente para não sucumbir, e saia do período de dor mais forte. Outros e esses penso serem tolos, vivem como se nada tivesse acontecido, nada aprendem, nada crescem, nenhuma precaução ou conhecimento adquirem. 

Uma das vizinhas, dona Dulce, decidiu ignorar que embora fizesse bom tempo, a Grande Guerra ainda devastava o mundo. Esqueceu-se que seus maridos e filhos ainda não haviam retornado e que as crianças doentes, ainda morriam sem provisão. Esqueceu-se que ainda não eram um povo livre para sair do Vale e cruzar as fronteiras da província em segurança. Ignorando tudo isso, marcou então uma festa, para agradecer pelo sol que queimava-lhe a face expressiva e gasta. 

A comemoração deveria durar uns sete dias e sabe-se lá Deus o que comemorariam.  O Vale se agitou. A loucura e a insanidade podem ser contagiosas e assim sendo, os vizinhos acolheram a ideia da festa e começaram a se dedicar a ela.

Ana estava com uma cesta de frutas que havia  acabado de colher de seu pomar quando o convite foi entregue na fazenda.

O menino que cuidava das cabras lhe avisou que haveria uma festança no Vale.

Festa? O que celebrariam?

Embora as vezes duvidasse, nunca cessou em seu coração a esperança na promessa que Pedro a fizera: Ele voltaria. Era acreditando nisso que Ana vivia.

Mesmo não estando triste, ainda assim, como festejar a ausência do marido? Como se alegrar plenamente se mantinha os olhos tão devotos à espera de seu amado?

Uma noite de festa poderia lhe permitir um descanso, Ana era uma mulher  jovem, animada e gostava de experimentar bons momentos. Tinha lembrança de tantos momentos divertidos que passou com o marido, que às vezes suspirava sozinha ao recordar.

No entanto, tantas noites com dança, conversa fiada, bebedeiras e comilanças seria demais. Não via propósito naquilo. Além disso, tanta alegria fútil a distrairia do que era para si a mais importante das tarefas: Manter-se sóbria e atenta para não ser pega desprevenida no retorno do marido.

Como não respondeu ao convite da festa, as vizinhas a procuraram na fazenda.

"Não recebemos sua confirmação." Disse Maria.

"Confirmação?" 

"De que vai comparecer a minha festa." Disse Dulce com ar orgulhoso de quem julga saber o que faz.

"Ah, eu muito agradeço a gentileza, mas não irei."

"Por que? Todos irão. Precisamos nos divertir e esquecer os problemas que nos assolam." disse Alma.

"Não poderei ir. Preciso cuidar das coisas da fazenda e tenho tanto o que fazer!" Ana explicou.

"Serão só alguns dias de folga." insistiram as vizinhas.

"Pedro me orientou a trabalhar com afinco no cuidado da fazenda e não me ocupar de distrações."

"Mas é uma festa! Pedro não está mais aqui no Vale, não pode te impedir de viver a própria vida!" Alma desabafou.

"Queridas vizinhas, Pedro prometeu-me que voltaria, imagina se retorna cansado da guerra e me encontra por aí, comemorando e vivendo como se não desejasse seu retorno? Nada disso, serei fiel a ele e aqui esperarei." disse Ana.

Assim deu-se o assunto por encerrado, mas ao deixarem Ana, as vizinhas comentaram com amargor sobre a tolice de Ana de viver esperando o retorno do marido e cumprir com tanto afinco as ordens e conselhos que ele lhe deixou.

"Pobre mulher, é louca e fanática."

"Pedro deve ter morrido na guerra."

"Tantos meses se passaram e ela ainda acredita que ele volta?"

A festa aconteceu sem a presença de Ana. Enquanto as vizinhas se embriagavam, dançavam e riam sem motivo aparente, Ana olhava pela janela o horizonte, admirava com temor e alegria  o caminho por onde um dia Pedro voltaria. E que bom seria seu reencontro quando ele soubesse que a tudo quanto a orientou, ela tentava seguir! Se falhava as vezes, não desistia e logo voltava atrás para fazer o que era certo.

Em breve com o marido comemoraria e não por apenas uma semana, mas por toda a vida!  Não valia a pena a espera?

Ele disse que voltaria (Conto Cristão)Onde histórias criam vida. Descubra agora