A felicidade é o caminho

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Esperar. É difícil quando se espera que as coisas aconteçam, que o convite chegue, que o amor apareça, que uma proposta mude tudo, que a hora e o local sejam os corretos para que sejamos alcançados pelo extraordinário. É ainda mais difícil esperar quando a vida presente não lhe agrada e parece apenas uma interminável jornada de sofrimento e dor. É difícil viver esperando, mas Ana esperava vivendo e por isso tudo ficava tão mais leve.

Quando criança, Ana gostava de imaginar histórias em sua própria cabeça. Criava mundos mágicos e uma outra vida onde não fosse a simples filha de camponeses, em um vilarejo tão pobre e afastado do mundo. Ela lembrava disso enquanto observava o menino das cabras brincar com uma cabra e chamá-la de princesa Odete. Ele tinha na cabeça um  galho de planta enrolado de modo que parecesse uma coroa, um pedaço de madeira como cetro e o pano de limpeza sobre os ombros como um manto. Andava em volta da cabra com a postura ereta e um olhar duro no rosto, gritando ordens e fazendo saudações atrapalhadas.

Ana ria da brincadeira e ria também do fato de que há anos, ela não recorria a tal distração. Não imaginava mais, não brincava de faz de conta.

Desde que se encontrou com Pedro pela primeira vez, não via necessidade de imaginar uma outra vida. Era satisfeita com o marido de um modo que nunca havia sido antes. A vida simples era cercada de afeto e felicidade. Não tinha nada grandioso ou mágico, mas era uma vida boa e nunca se permitiria reclamar ou imaginar qualquer outra vida em que Pedro não estivesse.

Mesmo depois da partida do marido, Ana não podia conceber criar uma outra realidade. Pedro estava presente em sua espera, em suas ações, em suas orientações, em tudo. Isso não bastava, mas era o que Ana tinha na vida e se apegava a isso.

A vida estava daquela forma e Ana se agarrava à realidade exatamente como era. Ficava alegremente triste em alguns dias se fosse necessário, chorava e sofria com rigor em outros dias, mas nunca deixava de ser completamente feliz.

Ana não se iludia com uma falsa felicidade, era feliz do jeito que era. Feliz por ter conhecido Pedro e por ter se casado com ele, por terem estado juntos por três tão bons anos, pela fazenda que tinha para cuidar, pelos funcionários que dependiam dela e de seu trabalho e era feliz, inexplicavelmente feliz porque tinha em seu coração a certeza de que Pedro um dia voltaria. Era feliz com a vida do jeito que Deus havia lhe dado, mesmo que não estivesse sempre feliz.

Riu de si mesma ao perceber que embora desejasse que Pedro voltasse logo, estava feliz em sua espera e jamais poderia ter sido assim sem tê-lo em sua vida. Sua satisfação e alegria completas estavam nisso, em tudo o que o marido era e representava em sua vida. Ana tinha mesmo um jeito estranho de ser feliz.

Ela se aproximou do menino.

"Você está lidando com uma princesa, Henry! Deveria ser mais gentil."

Ele riu sem graça. Deveria estar trabalhando, mas se distraiu na brincadeira no último um quarto de horas.

"Desculpe, senhora!" disse.

"Tudo bem. Você precisa brincar às vezes. Vai chegar um tempo em que as brincadeiras perderão o sentido." Ana disse.

"Acho que nunca vou me cansar de brincar, a vida fica tão melhor quando imagino."

"E o que você imaginava enquanto brincava?" Ela perguntou.

"Que eu era um rei muito rico e poderoso que governava sobre tudo, todos me serviam e eu podia ter o que quisesse, fosse comida, roupa ou brinquedos." Henry riu.

"Você acha que seria bom se isso fosse verdade?"

O menino pensou por um tempo.

"Não tenho certeza."

"A vida é o que é, menino. É bom sonhar e imaginar, mas precisamos saber onde estamos e viver bem a vida que temos para viver. Por melhor que possa ser a vida que criamos na nossa imaginação, ela não pode nos ocupar mais do que a vida real." Ana lhe disse.

Ele fez uma careta.

"Mas a vida real é tão dura, senhora."

"Eu sei, mas ainda é a sua vida, não é? Aprenda a vivê-la bem e da melhor forma possível."

Só muito tempo depois, o menino foi entender com clareza o que Ana lhe disse nesse dia. Felicidade tem muito a ver com satisfação e contentamento. Algumas pessoas nunca entendem.

Ele disse que voltaria (Conto Cristão)Onde histórias criam vida. Descubra agora