A Proposta

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A sociedade naquela época tendia a pensar que mulheres sozinhas eram frágeis, que eram incapazes de viver a vida sem uma mão forte que a regesse. Assim passou a rodar pelo Grande Vale da Esperança certos comentários sobre Ana. Começou como um cochicho entre vizinhas que não tinham o que fazer. Foi um comentário à toa, uma brincadeira não tão inocente. Depois, a ideia foi se assentando na mente e aquelas mulheres tolas julgaram que era uma boa ideia.

Ana já vivia sozinha há cerca de seis anos e ao contrário do que julgavam as más línguas, vivia bem. Mas para as vizinhas, era tempo demais sem um marido, ela precisava de alguém!

Não digo que fizeram por mal, porém, tentavam controlar o destino de nossa mocinha e dizer a ela o que fazer. Não viam em tudo o que Ana fazia, o cuidado de Pedro e sua mão embora distante lhe guiando através de suas palavras de afeto e instrução.

"É para o bem dela!" Pensava Maria.

"Ela nos agradecerá." Alma e Dulce concordavam.

Pouco tempo depois da ideia se espalhar pelo Vale como uma praga na horta, chegou a porta de Ana um dos vizinhos. Seu Eustáquio era um homem de posses, solteiro e bem educado. Não posso dizer que era belo, mas tinha um porte elegante. Nasceu com um problema nos pés, que o faziam andar tombando para os lados e por isso não havia sido convocado à guerra. 

"A benção das maldições" era como se referia a seu probleminha que o salvou dos campos  sangrentos da Grande Guerra. Alguns homens se erguem das dificuldades e fazem grande esforço para se tornarem mais fortes, outros, usam os problemas como muletas e nele se escoram por toda vida. 

Eustáquio, embora não fosse de todo ruim era do segundo tipo de homem. Seus pés virados eram uma boa desculpa, um bom consolo para seus fracassos na vida. Assim, isentava-se da responsabilidade de ser um homem fraco e covarde. 

Ana o recebeu com gentileza como sempre recebia a todos que a visitavam. Ofereceu a Eustáquio uma xícara de chá de lavanda adoçado com mel e assim começaram a conversar. Não haviam muitos assuntos a serem ditos e Ana logo estranhou a visita. No meio de uma fala qualquer, veio a proposta do vizinho.

"Eu vim até aqui, dona Ana, pedir a sua mão em casamento."

"Casamento?" Ana se assustou.

"Isso mesmo. É uma senhora respeitável, não pode cuidar de si mesma e da fazenda sozinha. Admiro sua resiliência, mas todos aqui no Vale concordam que precisa de alguém e eu me disponho a isso." Ele explicou.

"Mas eu já sou casada, vizinho. Pedro é meu marido." Ana disse.

"Pedro partiu para a guerra, faz tanto tempo que duvido que volte." Eustáquio afirmou. "Todos pensam assim, sinto lhe informar."

Ana pensou: "Se todos no vale pensam assim, estão todos errados". 

Ela sempre os serviu e ajudou de boa vontade, mas nada faria para agradá-los se corresse o risco de desagradar ao marido.

"Pedro partiu, sei disso. Ele não está aqui, mas ainda é meu marido, eu lhe devo respeito e fidelidade." 

"Seu marido não está aqui, você mesma disse. Mas eu estou e lhe farei feliz." Eustáquio insistiu.

"Sou feliz em esperar por Pedro, feliz em viver a vida que ele me deixou para viver." Ana explicou.

Eustáquio bebeu mais uma xícara de chá e observou a pequena cabana em que Ana habitava.

"Cuidarei de você, Ana e também dos seus bens. Posso até mesmo chegar a amá-la. Te darei filhos e proteção, o que mais pode desejar?" O vizinho sugeriu.

Ana desejava ter filhos, desejava ser admirada e amada, almejava ter uma vida boa e feliz, mas sabia que nem todos os desejos do coração do homem lhe trazem o bem e a felicidade. Sendo assim, satisfazia-se com o que possuía e tentava com ímpeto afastar de seu coração desejos que não lhe eram devidos. Pedro assim lhe tinha instruído. É natural querer mais da vida, mas a ganância excessiva pode ter um preço alto e nos prender nas garras do eterno descontentamento.

Para pessoas ambiciosas, o que temos nunca é o bastante. Para Ana, era o suficiente!

"Eu já sou casada." Ela repetiu tentando trazer à memória do vizinho o que para ela era inesquecível.

"Finja que não e nós nos casaremos em breve." Ele insistiu.

"Como pode uma pessoa ser uma coisa e viver como se não fosse?"

"É bom fingir quando isso lhe traz benefícios, dona Ana. Ainda tem muito o que aprender na vida." Eustáquio afirmou.

"Não importa o que tens a me oferecer, vizinho. Sou a mulher de Pedro, nada será capaz de mudar isso."  Ana se enfureceu.

"O que ele te deixou é tão pouco que logo pode acabar e ficará sozinha e desprovida."

"Tenho tudo o que preciso na esperança do amor de meu marido."

"Está sozinha, Ana. Todos já comentam seu comportamento estranho. Digo para se juntar comigo para o seu bem." Ele continuou.

"Não estou sozinha na vida, seu Eustáquio. Estou assim neste momento devido às circunstâncias, o senhor bem sabe. Mas não se preocupe, meu marido disse que voltaria."

O vizinho tentou mais uma vez.

"Se seu problema é de consciência, podemos preparar se quiser, um ato de separação. Assim, se desligará de Pedro e poderá se unir a quem quiser!"

Ana achou a proposta tão absurda que pediu que o vizinho se retirasse de sua casa com suas propostas indecentes. Onde já se viu propor tal coisa a uma mulher casada?

Para Ana, casamento era coisa séria e definitiva. Uma vez ligada a Pedro, assim seria por toda a vida. 

Eustáquio foi embora com seus pés cambaleantes, deu de ombros e lavou as mãos ao sair da casa daquela mulher que julgava tão tola e inexperiente. Ele já tinha tantos planos para a fazenda, os animais, a pequena casa… ele tanto teria para oferecer a Ana e para o mútuo benefício dos dois. Como ela poderia confiar mais em um homem ausente que nele, um homem tão bom, confiável e presente? Só poderiam ser seus pés que lhe causavam repulsa. Como ela era preconceituosa e fútil!

Ele se julgava sábio, mas não sabia que quem ama de verdade (e não apenas por palavras), não se vende por capricho. O que Ana nele desprezava, não eram seus pés tortos, mas sim seu caráter fraco e mesmo se assim não fosse, o coração de Ana era de Pedro, como poderia lutar contra isso?

Os buchichos e fofocas continuaram, mas em seu coração, Ana não se abateu. Sabia que sua devoção ao marido não era vã. Ele lutava na Grande Guerra para garantir a ela e também a seus vizinhos, um lugar de paz. Seu sacrifício era para o bem deles, como poderiam ser tão ingratos?

Ele disse que voltaria (Conto Cristão)Onde histórias criam vida. Descubra agora