O Fim Que Não Esperamos

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São sete horas da noite e mais um dia se encerra. Foram tantos que se passaram que ela às vezes perde as contas. Ana fecha a porta de casa e acende a lareira. Toma um banho longo e quente na velha banheira remendada. Coloca então uma camisola confortável e penteia os cabelos antes de trança-los. Sente-se cansada, a cada dia parece que a sensação de fraqueza e esgotamento é maior. O  médico itinerante que passou pelo vilarejo meses antes, avisou que seria assim.   Ana bebe seu chá de lavanda com limão e recosta-se na poltrona observando a estrada na montanha. Nunca desviou seus olhos daquele caminho, era por lá que Pedro haveria de vir.

"Foquemos nossos olhos naquilo que pode trazer alguma esperança." Era algo que Pedro lhe dissera uma vez.

Ah, de esperança, acho que o mundo nunca se farta. Que seria de nós sem esperar que um dia todo o sofrimento passará? Não ansiamos todos por um final feliz?

Eu tanto falei da espera, da devoção e amor de um coração de mulher que como tantos outros, por vezes vacila em suas convicções, sofre tentações e tomba entre a esperança e a dúvida. Ana viveu sobre a lembrança de Pedro, sobreviveu e se ergueu quantas vezes foram necessárias apoiada em uma única promessa.

Ela também duvidou, sabemos disso. Ana teve que se lembrar tantas vezes de palavras que já estavam decoradas e eram velhas conhecidas sua:
"Ele disse que voltaria".

Na promessa, não tinha data. Saber da hora exata em que as coisas hão de acontecer, só enchem de ansiedade os corações que tendem a pressa.  Se tivesse prazo para por fim a espera, poderia ser que nisso se colocaria o coração e não na esperança de retorno.

"Ele vai voltar!" pode ser que aqui esteja o alento. Não se sabe quando e que bom, assim é possível descansar na promessa e não no calendário, se agarrar a fé e não em algo sólido e palpável. Fé afinal, é ater-se fielmente ao que não vemos e não somos capazes de entender plenamente.

A noite está clara e fresca, o céu está estrelado como Ana nunca havia visto. A brisa acaricia seu rosto e ela sorri sem saber o motivo. Então, ela fecha os olhos dando um último suspiro. Acabou a espera…

***

"Ana, querida." Ela escuta a voz de seu Amado chamando-a com gentileza. Sente um toque caloroso e suave nos ombros e alguém a balança suavemente.

Quando seus olhos se abrem ela encontra o rosto que tanto almejou. Pedro não envelheceu, mantém nos olhos o mesmo viço e calor que ela contemplou no início de sua juventude.

Ele ajuda Ana a se levantar da poltrona com cuidado. A vida se estampa em seu rosto cheio de rugas e marcas de expressão, sua história se faz presente nos ossos doloridos e cansados, no cabelo ralo e grisalho, na saúde fraca. É um contraste enorme com o homem que está diante dela, jovem e vivo, tão glorioso e majestoso.

Ana pensa em se esconder, mas percebe bem a tempo que Pedro a admira com olhos brilhando de emoção. Tem tanto amor e tanta ternura em seu olhar que ela fica constrangida, não mais por sua aparência, mas pelo amor que vê diante de si. Um arrepio percorre seu corpo e ela se dá conta que pela primeira vez em anos, ela não sente a dor ou o cansaço a assolarem. Passou subitamente.

"Pedro, que bom que está aqui comigo!" Ela diz com a voz entrecortada de emoção.

Seu marido a abraça apertado e longamente. Ela descansa apoiando o seu corpo no dele. Descansa do tempo, da espera, das lutas, dos problemas, da falha, do medo. Tudo está resolvido e pode ser suprimido pelo que é de maior importância. Com Pedro ali, tudo voltava ao lugar original. Era como se de repente, nada tivesse sido diferente um dia sequer. Eles foram feitos para estar juntos.

"Esperei tanto por isso, amada!" Pedro sussurra ao ouvido de sua esposa. Sua voz é como brisa suave, mas também é imponente e majestosa como um trovão.

"Eu também esperei." Ana diz. "Esperei tanto."

"Eu sei. Mas é chegado o tempo."

Pedro segurou as mãos de Ana e a conduziu em uma dança pelo salão. A música começou a soar de repente e era o som mais bonito que Ana havia escutado. Não era possível identificar que instrumentos estavam sendo tocados ou de onde vinha o belo som, mas Ana se deu conta que talvez, nada disso importasse. Cada nota ecoava em sua alma   e ela teve vontade de chorar e sorrir, se prostrar diante de Pedro e abraçá-lo, calar-se e gritar, tudo isso ao mesmo tempo tamanho o êxtase que a tomava.
Será que era isso o que chamavam de felicidade? Não, o que sentia era algo mais profundo e intenso, não seria tão fácil definir com palavras. Ela nunca se sentira assim antes, como se cada célula do seu corpo e cada molécula do seu ser fossem feitas para aquele momento, para aquela dança, para aquele homem que a conduzia. Tudo era dele, para ele, por ele…

Ana olhou ao redor enquanto rodopiava nos braços de Pedro, estava em um espaço amplo, tão lindo. Não lembrava de já ter estado ali antes.

Era uma sala oval sem paredes. Havia um teto e oito colunas com pedras talhadas que o sustentava. Cada coluna era enfeitada com pedras preciosas e tinha o desenho de flores e pássaros desenhados. O piso era de mármore branco e ouro fino.   Ao redor do salão oval um jardim os cercava. Um jardim com árvores cheias de frutas que pareciam boas para comer,  plantas com flores perfumadas, uma grama que parecia tão macia que fazia seus pés pinicarem com vontade de tocá-la.

Tudo ali era tão bonito, tão perfeito e melhor ainda, Pedro estava lá e dançava com ela. Ana fechou os olhos para que a beleza do lugar não a distraísse e deixou-se ser conduzida por Pedro. De vez em quando soltava suspiros que vinham do fundo da alma.

Percebeu o peito quase explodindo de felicidade, uma felicidade plena e que parecia que jamais seria interrompida.

Parou por um momento, lembrou-se da cabana onde adormeceu minutos antes.

"Pedro, meu amor, onde estamos?"

Pedro sorriu.

"Estamos em casa, Ana." Ele disse e então deu um giro com a esposa.

"E como chegamos aqui?"

"Eu voltei para te buscar."

"Ah, sim." Ana respondeu, como se aquilo pudesse explicar todas as coisas. Talvez pudesse.

***

Histórias começam e terminam sob o peso de tal responsabilidade: apresentar ao ouvinte um tanto de magia e felicidade, alguma lição, um afago na alma ou algo assim. Mesmo que nada esperem de uma narrativa, esperam ao menos um fim.

Perdoe-me se assim não fiz ao contar essa história. Lamento muito, mas, as coisas não acontecem como esperamos na maioria das vezes. Algumas histórias nunca findam por completo, suas palavras continuam ecoando pela eternidade…

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Ele disse que voltaria (Conto Cristão)Onde histórias criam vida. Descubra agora