Pedro conheceu Ana quando ela vendia verduras com a mãe em uma feira no vilarejo vizinho. Ele se apaixonou por ela quase no mesmo instante em que a viu. Tinha alguma coisa em seu sorriso que era ligeiramente triste e de alguma forma desconhecida, exigia seu amor.
Ela vendia verduras, sorria a desconhecidos e clientes, obedecia às ordens da mãe, parecia tão leve, mas ele percebeu um peso estranho que ela carregava no coração. As pessoas escondem muita coisa por trás de sorrisos e belas frases e belos trajes. Pedro viu um peso em Ana e quis carregá-lo junto, mesmo sem precisar.
Ana parecia uma moça simples, mas ele via nuances e complexidades que mal apareciam na superfície de quem ela era. Foi uma ligação estranha, uma atração estranha o que ele sentiu por ela.
Embora nos trajes de camponesa surrados, ele viu beleza em Ana. Uma beleza que talvez ainda não fosse visível. Enxergou todo um futuro majestoso, mesmo quando a realidade era o oposto. Pedro era um sonhador e creditador do impossível.
Por um tempo, ele apenas a observou de longe. Via a moça e cultivava em sua mente ideias que nunca ousara cultivar antes.
Não havia nada nele que pudesse atrair a atenção de Ana, ele sabia. Sua família não era das melhores e havia boatos sobre o nascimento dele. História de traição, adultério, uma mancha no nome de seus antepassados.
Pedro não tinha muito dinheiro, nem posses. Nem mesmo sua aparência era algo que pudesse usar a seu favor. Era apenas um rapaz, para os outros moradores de redondezas. Não lhe davam crédito, não o consideravam ou respeitavam. O temiam e tinha certo receio de sua presença, isso sim, mas não era a mesma coisa. Eles sentiam algo indefinido em relação a Pedro, mesmo que ninguém soubesse explicar o quê ou qual o motivo.
Ele era só um homem comum, adotado e criado como filho por um simples trabalhador no Grande Vale da Esperança, o que havia nele que incomodava tanto? Ninguém sabia, embora todos sentiam, nem que fosse uma sensação leve que pressionava o estômago e apertava a alma. A gente costuma temer e rejeitar o que nos é incompreensível e Pedro era incompreensível.
Pedro amou Ana e nossa mocinha retribuiu tão doce afeto. Não de imediato, não sem deliberações e questionamentos. Mas quando é para ser, nada impede e ela foi atraída a ele. Tempos depois eles se casaram e por três anos viveram um lindo casamento. A beleza aqui também é subjetiva, cheia de altos e baixos, texturas e tons. É que a gente desconsidera as dificuldades e problemas como se isso anulasse a beleza das coisas ao invés de lapidá-las e moldá-las. A beleza é uma construção mutável, não é estática, não é isenta de falhas e marcas. Beleza é harmonia, um pequeno aglomerado de caos que se põe perfeitamente em ordem.
Casaram e foi um bom casamento. Pode ter sido custoso em alguns dias, mas o que de grande valor não é custoso na mesma proporção? As coisas custam, sejam boas ou ruins e seu preço por vezes é relacionado ao valor que lhe atribuímos. O casamento deles muito valia.Então veio a Grande Guerra, se impôs sobre eles e o homem foi separado de sua esposa e serviu na batalha como soldado.
Ao ouvir os rumores da guerra, Pedro se preparou em seu íntimo. Organizou as coisas ao seu redor, cuidou da fazenda e também de Ana a preparando para uma separação que ele já percebia que ocorreria de forma inevitável.
A Guerra estourou e ele foi um dos primeiros a se voluntariar para a batalha. Antes mesmo da carta de convocação oficial chegar, ele sabia que seria um soldado. Não temia seu próprio sofrimento, mas conhecia Ana, conhecia as demais pessoas do vilarejo, sabia que eles precisavam de proteção, que para eles a dor de guerra seria demasiada, ele aguentaria… conhecia a guerra e quão cruel ela seria, conhecia de uma forma que nem ele poderia explicar como. Abandonou o conforto da fazenda e seus próprios assuntos e se tornou um soldado.
Os soldados não tinham muita importância ou valor, eram como peças e armas, serviam a um propósito na guerra e nada mais. Pedro, no entanto, era especial. Tinha um jeito diferente de fazer tudo na vida, era sábio e astuto. Lutou muito e bravamente. Algumas batalhas foram mais difíceis que outras. Sofreu, sangrou, foi capturado, ferido, fez aliados e escapou.
Alguns homens o seguiram, aqueles que lutavam ao lado dele, assim faziam com tamanha honra. Pedro inspirava e arrastava com fidelidade os homens que estavam sob seu comando. Foi logo de soldado a comandante de milhares de tropas.
Embora não estivesse preparado para ser soldado, Pedro foi forjado para a batalha, levou sobre seus ombros o fardo da Grande Guerra como nenhum outro homem seria capaz de carregar. Tantos homens ele liderou e tantas batalhas ele conduziu até a vitória. O preço pago foi a separação de sua amada. Não sei se caberia a mim pesar o valor dessas coisas.
Pedro lutava terríveis batalhas pensando em Ana, torcendo e esperando que ela vivesse bem e seguisse as orientações que ele lhe deixou até o dia se seu retorno. Muito almejava o reencontro, mas sabia que levaria tempo.
O que é o tempo? Talvez ele não seja tão apressado em sua lentidão e tão impiedoso em sua marcação quando se tem tamanho amor que nem a distância abale. No tempo certo, a guerra findaria e ele enfim voltaria para Ana, era com base nisso que vivia e lutava.
Estava longe, por ela. Pensava também nos vizinhos e no restante do mundo… Sabia que ele precisava lutar, conhecia seu lugar.
Enquanto lutava pensando nos outros, ninguém desde a menor a maior casa do Grande Vale, ninguém se preocupava com ele e sua luta, além de Ana, sua amada. Ninguém se importava se ele morreria lutando por eles, se não deixaria filhos e herdeiros que carregassem seu nome, se seria representante de muitos nas batalhas, se sofreria. Ninguém se importava com a Grande Guerra quando ela não os atingia diretamente ou imediatamente. É claro que atingia, mas nem todos percebiam isso. Às vezes, as pessoas se esqueciam da Grande Guerra e duvidavam se não eram apenas rumores, coisa de gente maluca e fanática que acreditava em teoria da conspiração e essas coisas. Ainda assim, Pedro lutava.
Abriu mão de tudo que tinha, foi ferido diversas vezes, chorou. Ainda assim, continuava lutando. Um dia tudo valeria a pena, a paz reinaria e ele encontraria descanso.
Em breve ele e Ana estariam juntos, voltariam a sua vida calma e simples no Grande Vale da Esperança. Quando voltasse eles seriam felizes para sempre e sempre. A eternidade seria pouco tempo para conter seu amor e felicidade.
Enquanto lutava, por anos e anos, batalhas a fio, enquanto feria e era ferido, sangrava e consolava a seus companheiros de batalha, ele pensava em Ana e esperava que ela fosse forte e valente, que servisse a comunidade e ajudasse, que fosse boa e encontrasse em seu caminho bondade. Ele desejava que ela esperasse por ele com toda certeza que fosse possível, que descansasse em sua promessa, pois ele em breve a cumpriria.
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Ele disse que voltaria (Conto Cristão)
Short StoryAna e Pedro estão recém casados, eles são apaixonados e vivem bem em sua casinha de fazenda em um vilarejo pobre da província de Promisses, até que o imperador convoca Pedro para a Grande Guerra. Pedro parte para o campo de batalha e Ana fica para t...