O céu escureceu de repente. De vez em quando acontece de ocorrer justamente o inesperado e foi exatamente assim. Não parecia que iria chover, o dia estava claro, a vida seguia seu ritmo normal como sempre. Plantavam, os que tinham plantações, dançavam os que queriam celebrar, amavam os que deveriam amar, costuravam as costureiras, cozinhavam as cozinheiras, serviam os servos, nada era novo debaixo do céu.
Era um dia comum, até o céu se fechar em nuvens cinzas escuras e pesadas. A montanha tão grande e imponente que circundava o Grande Vale não era mais visível entre a neblina. Um vento forte veio por trás da montanha, curvando as árvores, levantando poeira, arrastando o que havia desprendido pelo caminho. Estava soprando um vento tão gelado que arrepiava os pelos dos braços e paralisava de medo o coração mais valente.
Correu para a casa aqueles que trabalhavam no campo. O céu escuro é sempre mau presságio, pensavam os agricultores. As crianças que brincavam nas ruas do vale, se esconderam debaixo das saias de suas mães. Senhoras e senhores olhavam pela janela de casa sem saber o que esperar.
Ana fez como os vizinhos, correu para sua própria casa em busca de proteção. Cerrou-se as portas e janelas da casa, acendeu a lareira e sentou-se sozinha na velha poltrona. Estava observando as chamas da lareira com uma xícara de chá nas mãos e uma manta sobre os ombros, quando escutou os pingos de chuva batendo no telhado. Talvez fossem gotas, talvez granizo. O barulho era alto e parecia mesmo que chovia pedras.
Ana apenas respirou. Antes de irem embora para suas próprias casas, os trabalhadores da sua fazenda, guardaram os bichos nos celeiros e cuidaram do que era possível. O que mais ela poderia fazer além de esperar aquela tempestade passar?
Raios e trovões se faziam ver e sentir. Ele escutava os barulhos e via pela frecha da porta os clarões do céu tempestuoso. Temia, mas ainda assim descansava. Tem coisas que não estão sob o nosso controle. A verdade é que quase nada está, mas o ser humano teima em acreditar que tem algum domínio sobre o próprio destino e cada coisa que acontece na vida.
Ana viu durante aquele prenúncio de tempestade os vizinhos se desesperarem, amaldiçoarem os céus e temerem pelo futuro. Até mesmo o menino das cabras, agora já um rapaz, por quem ela tinha tanto carinho veio até ela com medo.
"O que faremos, dona Ana?"
"Já foi feito o que poderia ser feito."
Ele fungou assustado.
"E os animais? E as plantações? Escutei falarem que tudo pode ser destruído por essa tempestade."
"O que nós podemos fazer, menino? Eu não controlo as nuvens, o vento ou a chuva. Vai acontecer o que tiver de acontecer." Ana disse.
"Mas e se a fazenda for destruída?" Ele insistiu.
"Quando a chuva passar, vejo o estrago e me ponho a trabalhar e reconstruir o que foi perdido. De nada vale nossa preocupação. Vá para casa e se proteja. Vai ficar tudo bem."
"E se não ficar bem?" O menino das cabras quis saber.
"Então depois lidamos com isso."
Pedro era assim, Ana reclamava que ele tinha o defeito de não se preocupar. Ele vivia dizendo que algumas vezes nosso esforço e preocupação é inútil e que seria melhor só descansar. Tem coisas que não podemos consertar, mudar e controlar, focar nisso é perder tempo e energia sem razão.
"Se não há nada a fazer, o que pode ser feito? Nem tudo depende de nós, meu amor e ainda bem!" Pedro disse certa vez enquanto Ana se preocupava com a plantação de batatas que se perdera para uma praga anos antes. Na época ela pensou ser tolice, mas aprendeu a lição depois quando tudo se resolveu.
O marido de Ana dizia que não precisava lidar com aquilo que não cabia a ele e não estava a seu alcance. Pedro não gostava de suposição, vivia sempre o presente, trabalhava com o que tinha, usava o que possuía, um dia de cada vez, um momento por vez.
O que antes irritava Ana, agora era seu consolo. Abrir mão do controle não é sempre fácil, mas era bom poder descansar em meio ao caos. Tinha agora uma dependência na esperança. Sabia que se não estava sob seu controle, não adiantava temer, se desesperar ou duvidar. Ela apenas confiava. Vai acontecer o que tiver de acontecer. Fazia preces silenciosas e apenas esperava. Ana tinha aprendido a esperar e confiar.
A chuva ia cair e por mais severa que fosse, sua preocupação não poderia impedir. O granizo machucaria a plantação e ela nada poderia fazer. O vento poderia carregar parte do telhado do celeiro e ainda assim, nada poderia ser feito. A vida acontece independente de nós, apesar de nós e ao mesmo tempo, através de nós.
Foi assim que Ana passou pela pior tempestade que sobreveio sobre o Grande Vale da Esperança em anos: Descansando.
Na manhã seguinte, ela se uniu aos trabalhadores, observou sua fazenda, o pomar, os animais, as construções, as cercas…
O lago transbordou e arrastou parte da horta, uma macieira tombou em cima da cerca, caiu um raio em uma das mangueiras, a varanda estava suja de lama e folhas, parte do galinheiro foi levada pelo vento, mas as galinhas ficaram bem. Ainda bem!
Não houve muito estrago e o que se perdeu, era possível de recuperar. Ana se pôs a trabalhar e delegou tarefas para reconstruir e limpar.
"Menino, pode cuidar dos estábulos e alimentar os animais?"
"Vocês dois, consertem a cerca, por favor!"
"Alguém me ajuda a prender essas galinhas?"
"Vou mandar preparar um caldo para o nosso almoço, hoje teremos muito trabalho."
Foi um dia cheio e cansativo, mas Ana deu conta de tudo. Nos últimos anos tinha aprendido a comandar a fazenda como ninguém e todos os funcionários a respeitavam e admiravam.
De tudo o que aconteceu, essa era a única coisa que realmente lhe cabia, que estava em suas mãos executar e Ana tudo fez com maestria e em pouco tempo a fazenda estava em ordem outra vez.
Ela aprendeu a aceitar aquilo que era seu com alegria e era até um fardo leve de carregar. Não controlava a chuva e o vento, não tinha domínio sobre as árvores e os bichos, sobre as águas ou os raios. Mas poderia trabalhar, limpar, plantar, esperar, consolar, ajudar, cuidar... Mesmo que não pudesse fazer tudo, fazia o que podia.
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Ele disse que voltaria (Conto Cristão)
Short StoryAna e Pedro estão recém casados, eles são apaixonados e vivem bem em sua casinha de fazenda em um vilarejo pobre da província de Promisses, até que o imperador convoca Pedro para a Grande Guerra. Pedro parte para o campo de batalha e Ana fica para t...