Cortes de Sangue e Luta

16

O treinamento com Kael foi composto por risadas e piadas. Segundo ele, existia um mundo secreto no acampamento, onde outros illyrianos gays se encontravam para festejar ou apenas conversar.

Tentei adivinhar quem mais era, porém Kael disse que nunca falaria, só se a pessoa deixasse. Me jogo na cama de Ágatha depois de me banhar, evitando pensar na estranha sensação que senti de estar sendo observada.

—Quer plantar comigo? — pergunto e ela me olha com um sorriso.

Pego minhas sementes e vou com ela até meu santuário. O lugar continuava do mesmo jeito que tinha visto pela última vez, completamente destruído. Ágatha trouxe algumas jarras de água e cascas de batata para adubar a terra. Começamos limpando o sangue e catando o resto das plantas que estavam ali. Apenas quando o sol já estava se pondo que acabamos tudo. Jogo água na terra por último e voltamos para os alojamentos cansadas.

—Vai dar certo dessa vez — Ágatha fala e solta os cabelos ruivos que ela tinha prendido devido ao calor. Tento ser otimista e confirmo com um sorriso.

Voltamos para a cabana e já estava escuro, Íris acendia uma fogueira concentrada. Sento em um tronco de árvore e aproveito o calor do fogo. Ouvimos Ágatha tagarelar sobre alguma nova erva que tinha conseguido achar e que fazia bem para dores menstruais. Depois começamos a rir de Íris contando sobre sua noite com o tal macho precoce.

—Pelo menos ele era bom com os dedos — falo e gargalho quando vejo as bochechas dela ficarem vermelhas. Ela vira o rosto mas consigo ouvir uma risadinha dela.

Ouço gritos vindo de longe e nos levantamos assustadas, olho ao redor mas  não vejo nada. Nyx surge e corre em minha direção com as mãos agitadas. Ele berra alguns comandos e alguns illyrianos saem das cabanas e ficam em posição de luta.

—Invasão — ele fala e Íris leva Ágatha para dentro de uma cabana, coloco outras fêmeas lá também e Íris usa sua magia para esconder o cheiro delas.

Espero os ataques e vejo aqueles mesmos feéricos que me atacaram na floresta aparecerem entre as cabanas. Eles me reconhecem e vêm em minha direção, estico o pescoço e vejo milhares atrás deles. Nyx fica na minha frente para me proteger mas eu empurro ele para o lado.

—Vou lutar ao seu lado, não atrás — falo firme e vejo os olhos dele brilharem. Ele assenti e se prepara para lutar. Pego meu arco e flecha que, por sorte, estava ao lado da fogueira e miro na testa de um deles. Ele pega a flecha com facilidade, como eu previa, e sem esperar, disparo outra, acertando a testa dele. Ele havia se distraído com a primeira tentativa. Nyx sorri orgulhoso para mim e corre na direção deles. Chamas saem de suas mãos e queima boa parte daquele grupo.

Íris já estava no meio deles, cercada por feéricos. Ela acertava cada um com um golpe certeiro e sorria ao ver eles caindo mortos no chão.

Um macho segura minhas asas com força e sinto uma dor latente em minha asa, ele me arremessa longe, caio em cima de Nyx e dou graças ao Caldeirão que ele é musculoso, senão a queda teria sido mais feia.

—Depois diz que não gosta de rolar na lama comigo — ele fala perto do meu ouvido e se levanta rápido, acertando o macho que tinha me jogado.

Trinco os dentes de raiva mas sorrio. Me levanto e olho para minha asa, agora totalmente torta. Aquele porco deslocou minha asa de lugar.

Sinto minha magia querer sair, um formigamento em baixo da minha pele. Solto um grunhido com a sensação irritante enquanto golpeava e me defendia, apesar da dor nas asas crescer a cada passo que eu dava. Respiro fundo e deixo minha magia sair. O ar foge dos meus pulmões e vejo aqueles feixes de luzes que eu tanto temia. Eles se enroscam em meu braço e eu seguro firme neles, usando como um chicote. Percebo que a dor passa um pouco, porém o incômodo de ter parte de mim fora do lugar me deixava angustiada.

Nyx me olha pálido e eu dou de ombros. Estalo aquele feixe de luz no chão e dezenas caem com o impacto. Acerto vários de uma vez e vejo Cassian lutando de longe, o general fica imóvel ao me ver e engole em seco. Minhas pernas fraquejam com tamanho poder, eu nunca gostei dessa sensação. Começo a sentir minha magia guiar meus movimentos, de forma que eu matava todos ao meu redor com apenas um simples giro. Não gosto desse sentimento, de ter algo me controlando, me sinto sufocada com isso. Solto um grunhido alto e me apoio em meus joelhos. O ar foge de meus pulmões e sinto meus músculos ficarem dormentes.

Olho para o lugar e sobrou poucos feéricos de pé e Cassian dava um jeito neles de forma rápida. Meu corpo fica pesado e caio no chão.

—Te peguei, respire fundo — sinto braços fortes me segurarem e vejo Nyx me olhar preocupado. —Respira, respira — ele dá tapinhas em meu rosto. Tento falar algo mas não consigo me mexer, apenas olhar Nyx tentar desesperadamente me fazer reagir.

☪️ Nyx:

Começo a tremer quando vejo Cyndi completamente inerte em meus braços. Ela respirava, movia os olhos, mas havia algo de errado. Ela não se mexia e nem conseguia falar. A coloco no chão com cuidado e Cassian se aproxima. Reparo em sua asa completamente torta, a dor que ela deve estar sentindo...

—Pisca se consegue me ouvir — ele fala e Cyndi pisca o olho e respiro aliviado. —Está em choque — Cassian explica e Íris se aproxima também.

Vejo que as mãos dela tremiam e dou espaço para Íris ficar ao lado de Cyndi.

—Leva ela para um lugar confortável — o olhar de Íris fica distante, ela encara Cyndi com pesar nos olhos e vira as costas. Ela entra em sua cabana e não sai de lá.

Pego Cyndi no colo, com o máximo de cuidado que consegui para não machucar mais sua asa, e vejo ela me olhar com os olhos arregalados. Ela parecia distante também, sua alma não estava aqui, somente o corpo. Passo minha mão em sua bochecha e enxugo uma lágrima.

—Vai ficar tudo bem — sussurro e por um milagre um sorriso fraco brota no rosto dela.

notas da autora:
essa Íris...