capítulo 25

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Os dentes da escova passavam por entre os meus fios embaraçados, Anne estava com os olhos miúdos de sono, ela usava o mesmo vestido de ontem. Minha mãe já havia se vestido, ela usava uma túnica preta e calças escuras largas, o cabelo havia sido trançado, trançado pela última vez por aquelas mãos celestiais de Anne. Eu não ouvira mais Niar, antes de partir, o fiz prometer que ergueria seus muros mentais e que não se deixasse ouvir meus pensamentos, podia jurar que o vi chorar, pela primeira vez, seria melhor assim... seria melhor não só para mim, mas para nós.

Dois guardas do rei vieram até nós, dizendo que a mesma havia sido convocada a uma conversa com o rei. Eu hesitei, não poderia deixa-la ir sozinha, mas os mesmos guardas, disseram que logo a encontraria, Anne apertou o meu braço, como um aviso para não me meter em problemas, com o coração doendo, deixei que levassem minha mãe. Ela usava vestes simples e grossas, por conta do vento gélido que a brisa trazia. O castelo cheirava a ferro, metal e pólvora, o que não era muito comum. Meus sentidos, por algum motivo, se alarmaram.

─ Stella? ─ a voz suave de Anne ecoou atrás de mim. ─ Algo a incomoda, menina?

O par amarelo fluorescente estava pregado ao reflexo do espelho. Minhas olheiras haviam se tornado mais profundas do que antes, meu corpo havia se tornado mais magro do que o normal, eu parecia estar morta. Morta por dentro, morta por fora. Os ossos de minhas bochechas se marcavam, formando linhas iluminadas em meu rosto. Tudo aquilo, todo o sangue derramado, o sangue que suja minhas mãos mesmo que as banham a cloro... Anne me estudava, tentando por alguma razão entender o que se passava por minha cabeça. Olhares solitários, sussurros em minha cabeça, uma alma apagada. Olhares solitários, olhares solitários, olhares solitários, como 𝙚𝙡𝙚. Nathaniel Aslan Vamhoyse possuía olhos solitários, conseguia ver porque eu também os tinha. Eu não esqueceria daquele vermelhidão.

Uma queimação surgiu em meu pescoço coberto pelo último macacão que Anne fez, minha pele dilatava como se ferro caísse em meio a minha pele, se juntando as correntes sanguíneas e colidindo-se com o sangue. Me levantei da cadeira com força e me virei para a Espírito da Natureza. Não. Não. Não. Algo estava errado, muito errado.

─ Se esconda, Maryanne.

Minhas mãos pressionaram a região que queimava, enquanto usei as pernas para correr quarto a fora. Eu deveria saber, deveria saber que algo daria errado. Um cheiro conhecido pairava ao meu redor, cheiro de sangue, sangue recente. A queimação se tornou mais intensa, minha pele molenga e queimada se juntava ao macacão, tirando de meus lábios, gritos agonizantes que ecoavam pelos corredores. Mais a frente, Eleonoora apareceu, ela parecia assustada, amedrontada e correu até mim, me ajudando a ficar de pé. Ela usava um vestido branco longo de mangas largas e seu cabelo estava preso em uma trança ao redor da cabeça, deixando alguns fios soltos.

─ Estrela? Estrela, o que é isso?

Noora perguntava enquanto agonizava em seus braços, a princesa se sentou ao chão brilhante e abaixou o pano do macacão que tampava o redor de meu pescoço. Sua boca tremeu, ela estava sem reação enquanto me estrebuchava em seu corpo e gritava de dor. Minhas unhas se alongaram, se tornaram grossas e fortes, eu sentia meus dentes se transformarem em algo animalesco. O amarelo fluorescente predominou o corredor, era como uma luz vindo direto de meus olhos.

─ A-as marcas da morte... ─ ela engoliu em seco, minha voz se tornou uníssono quando a respondi;

─ O que diabos é isso?! ─ eu gemia de dor enquanto meu corpo se moía ao encontro do chão, aquela não era minha voz... não, não, não.

─ São como tatuagens... ─ ela estava com medo, não estava com medo das tatuagens, mas de mim.

O amarelo se focou em Noora, ela estava espantada e horrorizada... As marcas da morte.

─ Q-quando um dos seus morre, um conhecido seu de sua casa... a-as marcas... ─ Noora negava com a cabeça, fazendo com que os inúmeros brincos em sua orelha pontuda balançassem. ─ As marcas aparecem... para servir de lembrança para aqueles que já foram...

Meu coração saiu pela boca quando minha mente veio à mente, não, não, não. Me levantei com dificuldade dos braços de Noora, o mundo havia se tornado cinza, trêmulo e embaçado. Obriguei os ossos de minhas pernas a correrem, com uma mão fincada na parede de porcelana branca, arrancando de cada corredor, lascas das paredes e outra ao redor da queimação. Eu não me importo, não me importo com o estrago de minha prisão, do castelo do rei, do castelo de meu pai. Quando cheguei perto das enormes portas do salão, dois dos guardas de Kova se aproximaram. O barulho agudo de minhas unhas, rasgando as paredes, foram a trilha sonora de minha chegada, meus dedos fediam a sangue.

─ Me deixem passar. ─ falei, choramingando de dor. O amarelo brilhava em seus rostos abençoados com a magia feérica. Eles não se mexeram, não mexeram um músculo. ─ ME DEIXEM PASSAR!!! ─ gritei. Nada. Nem ao menos piscaram.

Meus ossos ferviam de raiva, meu sangue supitava em minhas veias, com força, retrai as unhas pontiagudas amarronzadas e forcei meu corpo para frente, pregando minhas unhas no rosto de um deles. Eu era como um animal enraivecido, o companheiro de minha vítima se desesperou ao ouvir o seu grito agonizante, fazendo com que suas enormes mãos, pousassem sobre minhas costas, tentando me atirar contra as paredes prejudicadas. Meus dentes perfuravam cada parte de seu rosto, arrancando dali, sua pele, ele morreria de dor quando a arrancasse por completo. Com força, o guarda atrás de nós me atirou longe, me fazendo levar em mãos um pedaço do rosto de seu colega. A parede chacoalhou quando meu corpo bateu com força contra ela, meus ossos gritaram de dor, minha cabeça dilatava sem parar como se alguém a matelasse. O corpo sem vida do feérico caiu com força no chão, seu cheiro de sangue mágico chegou até minhas narinas, a textura de sua pele arrancada por mim era áspera. Deixei escapar uma risada inalada e me levantei, desleixada, limpando o sangue alheio que sujava meus lábios.

─ É só isso que você consegue fazer?! ─ cuspi saliva misturada com sangue. ─ VAMOS! LUTE! ─ gritei, raspando a garganta.

Thomas... o feérico era Thomas, ele me olhava como se estivesse com medo. Os olhos de cores distintas brilhavam de angústia... a pele negra rica e o cabelo preto pingavam a suor. Estávamos esperando o ataque um do outro, eu esperava que ele me atacasse com sua espada, quando colocou-a lentamente no chão, sem tirar os olhos de seu inimigo.

─ Chega de guerras... chega de mortes, Flores. ─ Thomas arrumou sua postura. ─ Perdi o amor da minha vida por culpa do meu povo, tiraram os meus filhos de mim... o meu marido. ─ lágrimas desciam de sua bochecha. Thomas passou por mim com cuidado e acenou com a cabeça, correndo para fora dos corredores, um dos meus pés chutaram as portas quando não ouvira mais o farfalhar dos ferros de sua armadura, deparando me com Kova sentado sobre o trono e com os pés descansando sobre um dos braços do enorme assento.

Desmond estava ao lado e Trizand do outro lado, o feérico da enorme cicatriz no rosto, não olhou para mim, seu rosto estava levemente vermelho, como se tivesse chorado durante um longo período de tempo. Desmond estava com o típico penteado, o rabo de cabelo amarrado para trás, eles usavam uma das armaduras do rei, diferente de Triz, Desmond não tinha mais o braço direito. O braço que treinara a vida toda para lutar com Amanhacer, sua espada.

─ Flores, querida! ─ Kova proclamou, com a voz maliciosa e diabólica. ─ Estávamos ansiosos para esse momento.

𝐀 𝐓𝐄𝐑𝐑𝐀 𝐃𝐀𝐒 𝐂𝐈𝐍𝐙𝐀𝐒Onde histórias criam vida. Descubra agora