CAPÍTULO 7

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4 anos antes...

Carla estava entediada.

Tudo em Kainaq era muito frio e sempre sem graça. A Fortaleza, a residência dos Castro, era um ambiente melancólico, um estado que era potencializado pelo clima das montanhas e o isolamento social. Toda aquela melancolia definitivamente não combinava com Carla.

Ela tinha acabado de fazer 17 anos. Literalmente, seu aniversário havia sido no dia anterior, mas não pôde comemorar: teve que assinar diversos papéis na cúpula, participar de pelo menos três reuniões com anciãos e, para piorar, teve que aturar mais um combo de condecorações. Esse era o peso de seu legado, de ser a líder e representante da família Moretti na Ordem.

Sua mãe e irmãs não estavam em Cicék. Tinham mais o que fazer, administrando as empresas da família, do que parabenizar Carla. Ela bufou, não queria pensar nisso agora. Não desistiria. Seu pai acreditava na Ordem e por isso ele havia sido executado. Por isso a Tríade o destruíra. "Droga" pensou levantando-se do sofá que estava deitada em um só movimento, não queria pensar naquilo também.

— Pelo amor de Deus, eu quero fazer alguma coisa! Que tédio!

Felipe teve um sobressalto e repuxou a mão que, discretamente, havia levantado a capa de um livro sobre a mesa. Ele virou o rosto fingindo que não estava tentando ler. Thiago permaneceu na mesma posição, deitado no chão, ao lado do sofá, o antebraço cobrindo seu rosto. Aparentemente dormia.

Carla encarou o rapaz ali e considerou se devia jogar as pernas para fora do sofá e só pisar nele.

— Essa bela adormecida de uma figa dormiu?!

— Vocês que insistiram em vir para cá. — Felipe deu de ombros e tateou os bolsos. — Eu disse que não tinha nada pra fazer aqui.

Argh, claro que tem. Tem que ter. E nem adianta procurar seu cigarro, eu escondi, seu merda. — Carla disse e mostrou a língua. Felipe a encarou com os olhos assustadores e ela deu de ombros jogando as pernas para fora do sofá cuidando para não pisar em Thiago: — Eu devia só...

Ela levantou um pé descalço e hesitou. Thiago não se moveu. A morena o analisava de cima, o cômodo todo à meia luz do fim de tarde nublado projetava tons acinzentados e azulados sobre a pele do rapaz que dormia. Como era lindo. O cabelo espalhado no carpete, a blusa social de botões um pouco desalinhada e as mangas enroladas à altura dos cotovelos.

Olhando-o assim, de cima, sentia algo impulsionando-a para... Carla queria...

Ela suspirou e saiu dali indo até o rádio antigo que, encaixado no móvel embutido da lateral, permanecia desligado há muito. Passou a fuçar nos cabos buscando um jeito de ligá-lo. Finalmente encontrou a tomada e depois de um par de movimentos a luz acendeu.

Carla fez uma expressão sádica e encarou Felipe em expectativa. O ruivo a encarava à mesa, ainda muito sério quando negou com a cabeça alertando-a para não ser tão cruel com o amigo que dormia.

Ela ecoou um risinho baixo e então girou o botão grande e circular até seu máximo de volume, ligando o aparelho em seguida. A música da rádio acionada estourou nas caixas de som. Carla sorriu animada esperando assustar o italiano, mas ele não se moveu. O sorriso morreu no rosto dela.

— Você é mesmo uma pentelha. — O ruivo disse e suspirou cobrindo o rosto.

Pensi di essere così intelligente... ¹— Thiago murmurou e finalmente descobriu o rosto devagar. Sorriu de canto sentando-se para encarar Carla. A morena deu uma risada e ajustou o volume, abaixando-o. — Era melhor ter pisado em mim, pelo menos a Baba não tomaria um susto. Sabe, ela é cega... Não surda.

Legado INCONTROLÁVELOnde histórias criam vida. Descubra agora