A Lavanda e o Carvalho

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Esta história é uma história de amor, de um amor impossível aliás.

Era uma vez uma flor de lavanda que vivia num campo de lavandas; era uma vez um pinheiro que vivia num pinhal.

Ambos viviam num mesmo jardim e conheceram-se um dia na estufa. O pinheiro ainda era jovem e cabia num pequeno, bem relativamente pequeno, vaso de barro e a lavanda não passava de uma pequena semente púrpura.

Para todas as plantas desde musgos, a fetos, a flores, a árvores, arbustos, heras, era uma bênção poderem viver toda a sua vida junto daqueles da sua espécie. Poderem nascer, crescer, viver, reproduzir-se e viver sempre rodeados pelas mesmas folhagens, as mesmas pétalas, as mesmas raízes, os mesmos tudos.

Para as nossas personagens não era de longe uma bênção. O pinheiro e a lavanda viviam em pontas opostas do parque. Dividia-os o campo de magnólias, a estufas cujas paredes eram a residência mais comum das heras, o campo das tulipas (tão empertigadas como o próprio príncipe holandês), o couto e, pois, está claro o campo dos mundanos e egoístas gladíolos.

Os dias passados na estufa uniram-nos no laço da amizade mais sincera e profunda que duas plantas verdinhas podiam experienciar. Após esses mágicos dias infelizmente a lavanda foi plantada no campo da lavanda e o pinheiro foi plantado no pinhal.

Os dias foram passando e com eles a lua mudando...

Num abrir e fechar de olhos Primavera tornava-se Verão e Outono em Inverno.

Doze meses passados a lavanda encontrava-se jovem e bela no campo das lavandas, pronta para ser colhida, sempre a predileta das abelhas pelo seu doce e lilás pólen e muito apreciada pelos olhares bicudos à sua volta, literalmente.

O pinheiro, alto e forte no pinhal, aguentava na sua firmeza tempestades e chuvas e Invernos. O nosso amigo era o predileto dos esquilos e dos musgos e dos rouxinóis. Com o seu orvalho teciam as aranhas as teias e no seu tronco as criaturinhas do jardim ganhavam guarida, o nosso pinheiro tinha já pinhas que caiam cheiinhas de deliciosos pinhões.

O grande amigo comum dos dois era o vento que não se fartava de correr informação por ambos.

Se a lavanda tinha mexericos para lhe contar rapidamente o pinheiro ficava a par, porque aqui um aparte entre nós dois, o vento é péssimo a manter-se calado, sussurra, brinca, grita e aí os meus cabelos não aguentam os dias de mau génio do vento... onde estava? Ah sim, se os mexericos da lavanda rapidamente chegavam aos ouvidos do pinheiro também vos garanto que as piadas do pinheiro percorriam o caminho contrário com a mesma rapidez.

Houve então um dia que os mexericos e as piadas passaram a ter autoria e os dois autores relembrados dos bons dias na estufa começaram a trocar ideias e conversas através do vento, já deve imaginar que não foi preciso muito tempo para que os dois jovens fizessem exatamente o que todos os jovens fazem: apaixonarem-se.

Agora o leitor tem de compreender que uma planta não ama como um ser humano e um ser humano não ama como uma planta.

Uma flor tem uma maneira diferente de amar, mas como o leitor mais uma vez compreenderá eu nunca fui uma flor por essa razão não posso explicar como ama uma flor.

Posso no entanto dizer concretamente que uma planta vive certamente, em média, menos do que um ser humano e digo então (desta vez hipoteticamente) que ama mais intensamente.

Justificando a minha hipótese afirmo que seguindo um raciocínio relacionado com a química, algo que é o mesmo sentimento, o amor, vai dissolver-se noutro algo, o tempo; e se o tempo é mais reduzido então o amor é mais intenso.

Como é óbvio a minha teoria só pode ser comprovada quando eu for uma flor e poder explicar-lhe concretamente o que senti nessa experiencia.

Mais forte ou menos forte, não há que duvidar do amor daquela árvore e daquela flor.

Os dias foram passando e as luas também, assim como as estações e os equinócios, em todos os minutos eram sussurradas conversas magníficas entre os apaixonados.

O amor nunca esmoreceu e a vida assim foi passada amada e sussurrada. O amor transpõe fronteiras e barreiras, mas as plantas não têm o dom da locomoção e nós que o temos não temos o dom da palavra e do sussurro, então inventamos a traição e a ironia e a discórdia e os insultos para camuflar a nossa verdadeira essência, para nos impossibilitarmos de vivenciar o amor, puro e verdadeiro, sem filtros e sem flashes.

B.S.F. F.

Compilação de ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora