Era mais uma manhã como qualquer outra das muitas que haviam passado, tantas que Gael sequer sabia exatamente quantas. Inclusive, a este ponto já havia desistido de esperar por algo diferente, um conformismo o tomou fazendo-o aceitar que, para todos os efeitos e enquanto estivesse naquela cabana, seus dias seriam os mesmos.
Acordar, encarar Abgail deitada a seu lado e então a silhueta apareceria. Mais um balé macabro e então acordaria, transaria com aquela vadia suja e nojenta o dia todo e então dormiria mais uma vez. E então acordaria para ver tudo se repetir.
Não mudou muito do que era antes, o que só fez Gael se arrepender de cada decisão precipitada que tomou em sua vida, inclusive a de ir para aquele chalé. Abgail conseguia ser tudo aquilo que o incomodava antes em uma única pessoa - e mil vezes pior, se me permite dizer. E Gael sequer sabia o motivo.
Talvez por estarem trancados e soterrados juntos há tanto tempo, depois de tanto tempo longe um do outro. Já nem se conheciam mais, mesmo que Gael conhecesse cada parte do corpo dela.
Que seja. Essa era a realidade dele agora, estar com a mulher que ele ama e felizes para sempre, não é? Não era isso que ele pedia aos céus e aos quatro cantos da terra? Não era isso que ele implorava para ela todos os dias? Que voltasse?
Agora ela estava lá. E ele a amava, não amava? Estava feliz, é claro que estava. Ou deveria estar, deveria amar. Achava que amava.
Eu te odeio tanto, Abgail.
Este foi seu último pensamento até amanhecer. A neve já estava derretendo e logo ele fugiria daquele lugar de uma vez por todas. E fugiria dela também.
Olhou para o lado esperando encontrar a sua alucinação de todas as manhãs, a fantasmagórica silhueta que caminhava para a morte, mas não foi ela a quem ele encontrou e sim Abgail, em pé o olhando. Apenas o olhando.
Ela vestia uma grande camiseta de botões, a que Gael estava usando no dia anterior e nada mais. Seus olhos estavam vidrados, estáticos, apaixonados por ele, enquanto os olhos de Gael a encaravam com ódio, muito ódio. Mais ódio do que nunca.
Abgail não disse uma palavras sequer.
Ela caminhou até o espelho onde ajeitou seus cabelos dourados com seus dedos compridos. O caimento perfeito deles, caindo por seus ombros e escondendo as pintas de seu pescoço irritavam Gael mais do que nunca e ele não sabia explicar porquê. Os detalhes que antes ele amava agora o enchiam de repulsa, talvez pela convivência ou porque ele nunca a amou verdadeiramente. Como ele poderia saber?
Então ela deslizou as mãos nas próprias vestes, acentuando-as em seu corpo. A camiseta de linho branco, com alguns botões abertos e amassadas pelo sono recente contornando cada curva do corpo de Abgail fez todo o sangue do corpo de Gael circular por seu corpo, sentiu sua pele aquecer e suas pupilas dilatarem de desejo por ela.
E é claro que Abgail percebeu. Ela adorava aquilo. Se recostou na cômoda de frente a ele, que ainda estava deitado na cama, apoiado por seus cotovelos apenas a observando. Esboçando uma risada apaixonada, Abgail demonstra estar adorando ser contemplada. Talvez justamente por não saber o que Gael pensa sobre ela e que, mesmo a odiando, não era capaz de parar de olhar. E isso fazia com que ele sentisse raiva dele mesmo, fraco e impotente.
Tudo isso causado por uma única mulher.
Enquanto se perdia em seus pensamentos, Abgail saiu do quarto deixando Gael para trás. Ele instintivamente se levantou, vestindo seu robe as pressas e a seguindo.
Ela estava na copa, tocando com a ponta de seus dedos cada uma das cadeiras daquela sala. Mais uma vez todo o sangue circulou no corpo de Gael ao se lembrar o que Abgail fez com a ponta de seus dedos na noite passada. Tomado por suas emoções e reações físicas de seu corpo acerca das lembranças, jurou que poderia agarrá-la naquele momento, fazer ela calar a própria boca com lençóis, fazer o que quisesse com ela como ele costumava fazer, por mais que se sentisse o tempo todo controlado por ela, como uma marionete.
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O Quarto dos Fundos
HorrorGael Webber já não sentia mais nada, tampouco tinha alguma coisa que o motivasse. Chegava aos seus 38 anos de idade com um profundo vazio crescente em seu peito e por mais que tivesse um bom cargo, bons amigos e uma família que o amasse, ainda assim...