Gael Webber

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Já fazia um tempo que tudo era vazio e que Gael já não encontrava mais propósito em suas coisas. Sem tragédias, traumas, gatilhos ou o que for, repentinamente tudo se tornou "um lixeiro azul vazio e escroto".

Já não era mais um jovem de dezessete anos, cheio de sonhos e ideias revolucionárias só procurando alguém que o acompanhasse em suas idealizações mirabolantes. Gael era um adulto, vivia nesta terra há exatos trinta e oito anos, sendo justamente os últimos oito os piores de todos - e ele não tinha sequer ideia do porquê.

Gael Webber era um homem solteiro (que por sorte já não carregava mais o fardo de morar na casa dos pais), com uma carreira brilhante como médico veterinário, um bom apartamento no centro da cidade e bons amigos que o acompanhavam há anos. Tinha uma vida agitada, cheia de altos e baixos, picos e vales, exatamente como uma montanha-russa: extasiante e repleta de adrenalina, mas ainda tinha seus momentos mais calmos, para que ele pudesse se recuperar do êxtase e só aproveitar a vista. Ele não tinha do que se queixar.

Até que em um momento tudo parou. Simples assim.
Seu apartamento bem mobiliado não era mais uma casa, seus amigos o irritavam, sua profissão o fazia se sentir exausto e mais que tudo isso, nada parecia aquecer o coração de Gael - e nem esfriar. Tampouco amornar. Ele não sentia nada, absolutamente nada.

Os dias eram os mesmos. Gael acordava, tomava seu café sempre muito quente, entrava no chuveiro sempre muito gelado, se vestia com suas roupas confortáveis, apanhava seu jaleco e ia até sua própria clínica, aquela da qual ele tanto se orgulhava e que carregava seu sobrenome, o sobrenome que ele usava e que seu pai havia deixado pra ele como herança. Webber.

(Toda vez que pronunciava em voz alta se lembrava do ensino fundamental, onde seus amigos diziam que seu sobrenome se parecia com "o barulho que os sapos fazem". Gael passou a detestar sapos desde então.)

Quando chegava em casa, resolvia as pendências que trouxera da rua. Mais uma xícara de café muito quente antes de se deitar e agora ele passaria metade da noite em claro sem que um pensamento sequer passasse pela sua cabeça. Veria os primeiros raios do sol ameaçarem nascer e então sentiria um sono profundo, por mais que só tivesse cerca de três horas de sono pela frente. Nada o irritava mais do que aquilo.

E então ele se levantava, só pra viver o mesmo dia de novo até que os fins de semana chegassem. Esses com certeza eram os piores.

Gael era um homem bonito, mas solteiro. Exceto por uma maluca que o perseguia e o tratava como namorado, o importunando e exigindo o primeiro lugar em tudo que ele fizesse. Aquela vadia não suportava a rejeição. E tinha seus amigos também, um bando de adultos de classe média com uma tendência forte ao alcoolismo, propensão ao uso de drogas e que internamente odiavam uns aos outros, mas eram pessoas legais. Normalmente era com uma dessas duas alternativas infernais que Gael passava seus fins de semana.

Gael tinha suas vontades também. Tocava piano, baixo e violoncelo, gostava de pintar com aquarela e alimentar cães de rua no parque. Gostava de fazer amizade em aplicativos de namoro só pela contradição da coisa e gostava ainda mais de ter breves romances com antigas amigas, pelo mesmo motivo também. Gostava de estar em sua própria companhia acima de qualquer coisa e essa foi a única motivação pra sua próxima atitude impensada.

Tudo havia perdido o sentido, o propósito, a satisfação, exceto pela sede insaciável de Gael por mudanças e sua extrema vontade de estar sozinho. Largar seu emprego perfeito que não o alegrava mais, seus amigos malucos que já o chateavam ao invés de o animar, aquela mulher insana que o sufocava sem sequer usar as mãos e todo o resto que fazia seus dias parecerem exatamente os mesmos, tão vazios quanto os anteriores.

Era temporada de inverno e o natal estava chegando. Isso o lembrava da primeira - e única - queima de fogos que assistiu do lado daquela mulher. Não a mulher psicopata que o seguia onde quer que fosse, mas sim aquela que ele amava de todo coração. E nem amava porque seu coração a queria pra si, e sim porque seu coração queria a amar pra sempre. Ela era incrível. Em todos os pontos que ele se lembrava de sua vida nos últimos dois anos que se passaram, ela sempre aparecia. E sempre em um momento especial, lindo e memorável, como ela mesma costumava ser. Mas ela já não o amava tanto assim. Talvez nem um pouquinho que fosse.

O Quarto dos FundosOnde histórias criam vida. Descubra agora