O Poeta | Fim.

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Já não haviam mais lágrimas para serem derramadas, não haviam lamúrias das quais Gael não houvesse professado, não havia arrependimento maior do que o dele.

E agora, mais do que nunca, ele era ele mesmo. Seja lá o que tomou conta dele havia ido embora agora - e isso não tornava as coisas mais fáceis.

Gael encarou o caderno em suas mãos por alguns segundos antes de abrir o mesmo. Seus olhos inchados e marejados mal o permitem enxergar seus escritos, estava cansado e sonolento de tanto chorar mas algo maior do que ele não o permitia dormir.

Gael abre o caderno e o folheia, encontrando a princípio nada mais do que cartas apaixonadas e cada vez mais descritivas de um poeta para sua amada. As primeiras descreviam a beleza da jovem como qualquer outra pessoa era capaz de descrever a beleza de alguém, mas a cada poema que se seguia os detalhes duplicavam, triplicavam! A descrição era tão perfeita e tão minuciosa que Gael quase podia ver o rosto daquela amada em sua frente.

"Seus olhos pequenos e arrastados para suas têmporas, escuros como a mais tempestuosa noite me encaravam avivadamente. As rugas que o enfeitavam só denunciava o quanto ela sorria com seus pequenos dentes assimétricos que eu tanto amo. Seus lábios rubros, pequenos e sempre com um microscópico sorriso me fazem morrer de amor. A cascata negra de seu cabelo escondem suas costas e sua cintura, sua baixa estatura me faz querer a guardar em uma redoma de vidro para que ela seja só minha. Para sempre minha, minha amada e intocável, repleta de perfeição, Aika. Minha canção de amor."

Aika, pensou Gael enquanto, pouco a pouco, as coisas começava a fazer algum sentido para ele. Aika, este era o nome de sua amiga silhueta, que era também a moça asiática que havia visto mais cedo. Era amada e muito amada, isso ele tinha certeza.

O Poeta a amava da mesma forma que Gael costumava amar Abgail e não se cansava de dizer. O Poeta com suas poesias e Gael com seu sexo. Nojento.

Medíocre. Se sentia medíocre e morria de saudades de Abgail, que estava morta e soterrada. Quando isso voltou a sua mente, Gael caiu no choro mais uma vez: ele não quer mais saber de poesias de amor

Gael passa as páginas apressadamente, pulando com desgosto dezenas de poemas apaixonados que, pouco a pouco, se tornavam notas de repúdio sobre a mesma amada que um dia fora musa. Ele se refere a ela como algo pior do que a lavagem que os porcos comem e regurgitam e rolam em cima depois.

"Eu te observo enquanto você evita me olhar nos olhos. Eu não sei em que momento você se tornou tão odiosa assim mas eu não posso, eu não consigo parar de olhar para você. Nem se eu quisesse. E cada vez que eu encaro você, a cada virar de ponteiro dos relógios eu passo a te odiar mais, a encontrar atrocidades em você que antes eu não podia. Eu estava cego, delirando de amor, como não pude ver antes? Você é tão repulsiva que eu sinto aflição em ao menos pensar na ideia de tocar você e de permitir que você me toque.

Sua perfeição me dá nojo, você é boa demais e isso te apodrece. Vadia suja."

Por algum motivo, algo naquelas cartas trazia certa familiaridade a Gael. Um sentimento que não era dele mas ele entendia muito bem, afinal, sentia o mesmo por Abgail e O Poeta, por sua vez, descrevia isso muito bem.

Sua perfeição me dá nojo, você é boa demais e isso te apodrece. Era isso que queria ter dito para Abgail e então ter terminado aquela relação extremamente deturpada deles dois. Mas ele não o fez, ao invés disso ele a matou. A matou porque ela feria seu ego.

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