Gael sentiu todo o seu corpo tremer quando encarou o rosto roxo de Abgail nas tábuas ainda úmidas da varanda do chalé. Tentou rescussitá-la de muitas formas, até orou a Deus mas teve certeza naquele momento que todas as divindades haviam o abandonado. Ele era um monstro.
Abraçou o corpo mole e morto de Abgail. Chorando, a pegou no colo, tirando os fios de cabelo que estavam em seu rosto e os colocando atrás de suas orelhas. Como ela era linda, como eu pude?
Instintivamente e sem saber porquê, a colocou dentro do chalé, trancando a porta e fechando as janelas. A levou para os quartos dos fundos onde chorou, chorou e chorou até cansar, sem fazer um único barulho sequer.
Mas não poderia chorar para sempre.
Ainda reativo e sem saber porquê, Gael procurou por algo que pudesse usar para remover as tábuas. Mais uma vez não era ele ali.
Encontrou uma pá e foi retirando, uma por uma, as tábuas do quarto dos fundos. Parou quando encontrou algo que deveria o assustar mas não assustava, deveria o fazer vomitar pelo cheiro podre mas não o fez, tampouco o fez questionar como nunca sentiu aquele cheiro antes.
Envolvido em lençóis brancos estava uma ossada que, pelo seu raso conhecimento de anatomia, julgou ser de uma pequena mulher. Estava deitado em posição fetal e, como um vislumbre, Gael viu aquela ossada se transformar na sua amiga silhueta e então naquela mulher asiática que havia visto. Então, voltou a ser silhueta e ossada mais uma vez. Misteriosamente, isso também não o afetou.
Ao lado dela havia um caderno sujo, embolorado em algumas partes de suas folhas. Sua capa de couro estava gasta e, quase ilegível, estava escrito com resquícios de tinta dourada o vulgo do proprietário do mesmo: O Poeta.
Gael pegou o caderno e o colocou em cima de um dos móveis do quarto dos fundos sem dar muita atenção.
Em seguida puxou os lençóis da cama. Enrolou Abgail com todo o cuidado, quase como se embalasse um recém nascido. A colocou deitada ao lado da antiga ossada e, tábua por tábua, recolocou o piso do quarto.
Se deitou na cama incapaz de qualquer outra coisa. Agarrado em seu peito estava o caderno do Poeta, caderno este que ele sequer havia aberto ainda.
E por três dias e três noites sem cessar, a única coisa que Gael foi capaz de fazer foi chorar, murmurar, gemer e se lamentar, assombrado com a antiga lembrança de sua amada.
Abgail.
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O Quarto dos Fundos
HorrorGael Webber já não sentia mais nada, tampouco tinha alguma coisa que o motivasse. Chegava aos seus 38 anos de idade com um profundo vazio crescente em seu peito e por mais que tivesse um bom cargo, bons amigos e uma família que o amasse, ainda assim...