Capítulo 3

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GATILHO: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.


Alguns dias valem a pena serem vividos. Aquele não era o caso.

Quando entramos na rua de Marlena, meu coração deu um salto. O pai dela estava parado em frente ao muro de sua casa, e imediatamente me voltei para ela. Marlena estava pálida. Eu poderia vomitar naquele mesmo instante, e queria mesmo fazê-lo, mas minha boca estava mais ocupada em procurar palavras para o que está vendo.

O toque de Marlena tornou-se pesado. Ela soltou minha mão, e Cláudio murmurou um palavrão. Acho que nossas cabeças estavam todas trabalhando para achar uma solução. Era mais um reflexo instintivo que racional, porque a explicação era óbvia. O pai de Marlena a havia pego. Estávamos parados, os pés grudados no chão, mas ele caminhava em nossa direção.

Desejei que Marcelo fosse capaz de nos ignorar. De fingir que nada tinha acontecido. Marlena poderia aparecer em casa mais tarde naquela manhã, fazer o que o pai esperava dela, e tudo estaria resolvido. Ele teria a filha que idealizava de volta, e todos se dariam por satisfeitos.

Quando Marcelo puxou Marlena pelo braço, ela soltou um suspiro longo. Não olhou para trás, não viu a reação em nossos rostos.

Eu passei dias me questionando sobre o que teria acontecido a seguir. Marlena não falava muito do pai, e era difícil para mim imaginar uma reação dele. Pensei no que ele teria dito, nas perguntas que fez. Esse era um pensamento tolo. Existem pessoas que são incapazes de resolver problemas de forma eficaz, e geralmente essas pessoas usam recursos físicos para assuntos que só deveriam ser resolvidos através de palavras.

Ela me contou que, assim que entraram porta adentro, o pai lhe deu dois tapas no rosto. Marlena já o tinha assistido fazer aquilo com a mãe, mas Marcelo nunca havia demonstrado violência com ela antes. Mil suposições estavam presas em seu peito, mil medos diferentes, e ela não estava raciocinando muito bem. Queria deitar, queria que alguém a abraçasse, queria que o pai parasse de puxá-la pelo cabelo.

Depois disso, eu ia até o encontro de Cláudio todos os dias. Ele era a única pessoa que eu conhecia que poderia ter notícias de Marlena. Eu deveria ter me questionado como ele sabia de tanto. Deveria ter previsto o que aconteceu.

Cláudio aproveitou toda a situação. Ele sabia que Marcelo estava furioso, que faria vista grossa com Marlena até encontrar algum pretendente à altura dela. Ele queria ter certeza de que a filha não faria o nome da família ser mal-falado, e fugas noturnas não combinavam muito com a imagem que Marlena deveria sustentar. Ela até mentiu, disse que nunca tinha feito aquilo antes, mas Marcelo não acreditou nela.

O irmão de Marlena era o único que tentava aliviar as coisas. Quando Cláudio mencionou o fato, eu me peguei surpreendido. Eles tinham uma relação que, segundo Marlena, se parecia mais com uma competição que propriamente afeto. Enquanto Marlena era a filha que fazia tudo certo, Carlos nunca conseguiu atingir as expectativas dos pais. Depois que Marlena foi pega, ele abriu uma boa vantagem.

Ela se perguntava se as pessoas deveriam se intrometer tanto em sua vida. Aquele era o ponto que marcava o fim de uma Marlena que ela nunca fora, e ela devia sentir medo do que viria a seguir, mas sentia os ombros mais leves que nunca.

Foi na manhã seguinte que Cláudio decidiu pedir Marlena em casamento. Ele estava envolvido nas escapadas, e apesar de não ser um interesse romântico dela, tinha tudo que Marlena colocava como um requisito. Nunca teve coragem de me enfrentar, mas acho que percebeu que nunca encontraria um momento mais propício para fazê-lo. O pai de Marlena estava furioso, e provavelmente a forçaria a aceitar qualquer pedido de casamento minimamente decente. E ele era mais que o mínimo; tinha a afeição de Marlena, sua família era respeitada e possuía mais dinheiro na carteira que a quantidade que eu usava para passar o mês. Não foi muito difícil para ele.

Te sinto longe de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora