Capítulo 6

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No início, conseguimos preservar nossa relação como uma amizade. Eu ligava para Marlena uma ou duas vezes por semana, e falávamos sobre trivialidades do nosso cotidiano. Não sei quem era pior fingidor.

Ninguém pode dizer que Marlena não tentou fazer o casamento dar certo. Ela estava sempre tentando fazer algo para agradar Cláudio, e acho que se sentia mesmo sozinha, porque até mesmo sobre isso ela falava comigo. Não era meu assunto favorito, mas eu a entendia.

O café da manhã deles era milimetricamente ajustado. Café com açúcar, do jeito que Cláudio gostava. Ela fazia notas mentais sobre as frutas que ele comia, e no dia seguinte a mesa tinha todas elas à sua disposição. Pão italiano também era a regra, embora Marlena nunca tenha sido uma grande admiradora.

Ela tentava utilizar os conhecimentos passados que tinha de Cláudio à seu favor. Conforme observara nos anos anteriores, ele gostava de mulheres vaidosas, e foi por essa razão que Marlena aprendeu a se maquiar. Ela já sabia o básico, mas queria que ele a achasse bonita, e nunca tinha sido como as mulheres com quem vira Cláudio saindo.

Por um tempo deu certo. Ela verbalizou que as coisas estavam melhorando entre os dois, que ele finalmente lembrava o amigo que ela conhecia.

No meu trabalho, tudo se intensificava muito rapidamente. A novela já havia começado, e depois de um mês de transmissão, eu percebi que minha vida mudaria definitivamente. Rômulo, meu personagem, era um alívio cômico que passeava entre os núcleos e personagens, e eu estava apostando todas minhas fichas nele. Treinava minhas falas dia e noite, ouvia outras radionovelas para aprender a executar meu papel da melhor forma possível.

Serena tinha que dar certo. E deu. Sofri certa retaliação de Bete Ferraz no início. Ela era a intérprete de Serena, a protagonista, e me criticava até meu último fio de cabelo. Me achava novato demais, e estava irritada por me ver cada vez mais ganhar um número maior de falas.

Fui contratado também como locutor. Passava a maior parte do tempo na RSP, e finalmente consegui ver dinheiro. As rádios estavam em seu auge, e de repente eu estava vivendo tudo aquilo junto delas. A televisão ainda era uma novidade, e não demorou muito para surgirem convites.

Bete dizia que era minha culpa. Não foi meu talento que me levou ao topo, foi meu rosto. Fui um jovem bonito, e Rômulo era um personagem carismático, mas só depois de fazer algumas aparições na televisão que a radionovela engrenou. Eu era chamado para comerciais, pequenas entrevistas, aparições em programas dominicais. Recebia um milhão de cartas da minha mãe. Acho que cada vez que ela ouvia minha voz no rádio, ou me via na televisão, escrevia uma carta nova. Todas com muitos pontos de exclamação.

Vidas podem mudar muito em um curto período de tempo, e foi o que aconteceu comigo. Me mudei para um apartamento de verdade, com cômodos bem divididos e comprei móveis novos. Pagava as contas dos meus pais, lhes dava presentes.

Um pouco do que estava acontecendo nos bastidores foi o que virou o enredo ao meu favor. Sete meses desde o início da novela já tinham se passado, mas se havia algo que permanecia firme desde o início, era minha richa e de Bete. Nós tínhamos uma relação baseada em desprezo mútuo. Enquanto Bete gritava aos quatro cantos que eu era um amador, eu revirava os olhos para tudo que ela dizia. Brigávamos o tempo todo. Vicêncio Mendonça, o autor da novela, viu algo em nossas interações. Cada vez mais, nos deu cenas juntos, e Rômulo acabou por se tornar o par romântico de Serena.

Bete se levantou. Seu rosto estava todo vermelho, e havia uma ruga entre suas sobrancelhas. Ela tragou o cigarro que fumava, e encarou a mim e a Vicêncio.

- O quê? - perguntou ela, mas tinha escutado muito bem o que Vicêncio havia dito.

- Quero mudar alguns detalhes na trama - repetiu ele. - Não acho que a química entre você e Bernardo Lacerda seja suficiente para sustentar a novela. Mas tive ótimas ideias para Serena e Rômulo.

Te sinto longe de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora