Em resposta ao brinde de Cláudio, muitas taças se ergueram por todo salão. Senti meu corpo congelar, e esqueci que deveria agir da mesma maneira que todas as pessoas ao meu redor. A escadaria foi inundada com parentes e amigos, todos parabenizando Cláudio e Marlena. Eu ainda não sabia se tinha escutado bem todas as palavras ditas.
- Vamos. - Senti a mão de Bete tocar meu braço. - Precisamos conversar.
Caminhamos até uma das varandas conjugadas ao salão. Embora estivesse curioso sobre o que Bete queria me contar, seus segredos pareciam pequenos demais perto daquilo que eu acabara de presenciar. Me sentia inquieto, não sabia o que fazer com as mãos. Desejei ir para casa, tomar um banho gelado e qualquer remédio que me fizesse dormir.
Era uma época em que as coisas pareciam definitivas, e acredito que realmente eram. As pessoas toleravam tudo em nome de um casamento, dos filhos que tinham. Durante toda minha vida, senti que perdi Marlena diversas vezes; a primeira foi quando soube de seu noivado. Ao ouvir Cláudio anunciar o filho que teriam, percebi que a vida dela estava cada vez mais distante da minha.
Até aquele momento, não havia admitido para mim mesmo que ainda que tinha esperanças sobre ela. Era como se estivéssemos somente esperando para resolver toda aquela bagunça, e que no final tudo daria certo para nós dois. Me dei conta de que tínhamos crescido, e que a vida adulta começa quando nos vemos tão envolvidos pelas nossas próprias circunstâncias que não conseguimos voltar atrás.
Apoiei minha taça sobre a proteção da varanda. Bete estava virada para frente, e direcionei meus olhos para o mesmo lugar que ela. A propriedade dos Coimbra Cassetari era cercada por inúmeros ipês amarelos, e eu pensei no quão improvável era estar ali dentro como um convidado. Muita coisa estava acontecendo ao mesmo tempo, e mesmo assim era impossível permanecer impassível ao cenário que me cercava. Aquela casa enorme, seu teto exageradamente alto, estantes limpas demais e quadros pendurados nas paredes. Dentro do meu terno caro e bebendo o champanhe pago por aquela família, eu parecia quase adequado ao contexto.
- Cláudio trai Marlena - disse Bete.
Direcionei meu olhar para ela. Bete brincava com o colar que tinha no pescoço, puxando um pingente brilhante da esquerda para a direita. Me lembrei de como as coisas aconteceram rápido demais; um dia, Marlena, Cláudio e eu éramos melhores amigos, e no outro parecia que não nos conhecíamos. Assisti novamente a lembrança de Cláudio me contando sobre o noivado, e como meus dias naquele ano haviam se tornado uma grande contagem regressiva até o casamento dos dois.
Senti uma onda de calor subir pelo meu corpo e parar em na garganta. Não sei se me dei conta da gravidade do que estava acontecendo, mas me sentia furioso. Um dos motivos por ter me mantido afastado de Marlena havia sido minha errônea certeza dos sentimentos de Cláudio. Ele afirmou que gostava dela, e eu acreditei. Não esperava menos, afinal, éramos todos próximos demais para não criar qualquer sentimento terno. Mas as coisas ficavam, aos poucos, mais claras. Ela era seu troféu. Bonita, desejada, mas depois de um tempo você o deixa na estante e segue em frente.
- Você o conhece? - Ouvi a pergunta sair da minha boca antes mesmo de processar a informação.
Bete suspirou.
- Sim - confessou ela. Eu já sabia a resposta, e a coincidência era esquisita ao ponto de despertar minha curiosidade. - Me lembre de perguntar os nomes dos anfitriões antes de me lavar para uma festa.
- Como sabe sobre a traição? - perguntei.
- Porque eu já fui amante de Cláudio. - Bete se voltou para mim, acredito que pronta para decifrar minha reação. Certo. Era uma noite de muitas surpresas.
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Te sinto longe de mim
RomanceMarlena sempre soube que a dualidade era parte de si. Ela vivia em dois mundos: de dia, era a filha perfeita, seguia a risca os comandos dos pais e o que esperavam dela. Nas noites de quinta-feira, porém, Marlena se aproveitava da confiança excessiv...