Capítulo 4

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Eu não soube muito sobre o casamento, e nunca me dei ao trabalho de perguntar a Marlena. Esse é um aspecto sobre o qual sempre vou invejar Cláudio, e não estou falando isso porque é importante à história. É somente uma confissão.

Soube através de conhecidos acerca da data: vinte e um de novembro de 1953. Àquela altura, eu já havia retomado minha vida. Mais ou menos. Minhas leituras e estudos me consumiam, e eu estava até mesmo faltando alguns dias no trabalho para conseguir fazer figurações.

Quando conseguia ligar para minha mãe, ela demonstrava preocupação. Meu tio havia lhe contado que eu estava faltando do trabalho, que eu tinha metido na cabeça que seria ator, e dizia que eu estava prestes a ser demitido. Eu também estava um pouco irritado com minha iminente rebeldia. Nunca tinha perseguido um objetivo com tamanho afinco, e não estava fazendo isso de uma maneira saudável. Era quase uma obsessão, e eu sabia que se não desse certo teria que voltar para Piracicaba. Mas não sentia que tinha algo a perder.

Me afastei de todas as pessoas que me ligavam a Cláudio. Tínhamos muitos amigos em comum, o que acabou me deixando um tanto solitário. Não queria saber sobre como seu casamento tinha sido suntuoso, sobre como Marlena estava bonita, e acho que tinha até medo de ouvir que os dois estavam felizes. Demorei seis meses para refazer meu mundo, e tinha total certeza de que saber deles não me ajudaria em nada.

Recebi meu primeiro "sim" no dia vinte e três daquele mesmo mês. Era meu primeiro papel relevante, e eu gaguejei tanto no início da ligação que precisei implorar para o homem do outro lado da linha não desligar. Eu seria Rômulo Lins, um personagem coadjuvante na radionovela Serena. Escutei enquanto o homem me passava instruções sobre o que eu deveria fazer em seguida, quais os detalhes burocráticos da proposta. Anotei o endereço da rádio, e até colocar o telefone no gancho, ainda não acreditava no que meus ouvidos tinham escutado.

Os dias que se seguiram foram bem caóticos. Me demiti, e o salário da radionovela era um pouco mais baixo que aquele que eu recebia do escritório, mas era uma escolha a ser feita. Foi quando minha família veio para São Paulo. Lembro de chegar em casa, de ver minha mãe e meu pai parados em frente à minha porta, e que ela me deu um puxão de orelha que gritava seu desgosto.

Eles estavam preocupados, e tinham razão. Deixei um emprego estável por uma radionovela que sabe lá Deus quanto tempo duraria, e não tinha nenhuma desculpa boa a meu favor. Não tinha economias que me permitiam fazer escolhas arriscadas, e o trabalho como datilógrafo era um pouco tedioso, mas nada que eu não pudesse lidar. Minha vida estava tranquila antes daquela decisão, e eu estava botando tudo a perder sem nenhuma razão aparente.

Mas eu estava sufocado. Me lembro bem de como era viver aqueles dias. Acordava, mas não queria fazê-lo. Comia pouco. Não tinha muita vontade. Trabalhava, trabalhava, e de repente tinha encontrado algo que me motivasse. Acho que isso é o que move os artistas; o mundo pode pisar em você, quebrar seus dentes, mas é você que produz sua arte. Ninguém poderia tirá-la de mim.

- Você está magro - reclamou minha mãe. Em seguida, caminhou até minha geladeira e a abriu. Pensei em impedi-la, mas sabia que chegaríamos àquela conversa. - Está vazia.

Sentei-me na minha cama. Minha casa consistia em um só cômodo, e mesmo assim nunca tinha tido tanto espaço só para mim. A casa no interior a era dividida entre eu, meus pais e mais seis irmãos, e eu estava acostumado com falta de privacidade. Ver minha mãe questionar meus hábitos e o que eu comprava com meu dinheiro quase me gerava certo conforto. Tinha cheiro de lar.

Não contei para ela que a geladeira estava vazia por escolha minha. Fico sem fome quando estou ansioso, e aquele era um momento particularmente difícil para mim. Minha dieta estava meio que baseada em pão e água, porque se eu não tinha ânimo para comer, quem diria se teria para preparar alguma refeição de verdade.

Te sinto longe de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora