Eu não me importo com ninguém mais. Deveria? Por quê? Com uma força de vontade cuja origem mesmo eu desconheço, procurei levantar-me e de alguma forma consegui. Até então tudo seguia se acumulando. As mensagens não respondidas, diferentes prazos à beira de expirarem, as desperdiçadas horas a fio dentro de meu quarto, revezando entre a desconfortável cadeira defronte ao medíocre notebook e a cama que me faz sucumbir à procrastinação e culpa. As tão orgulhosamente autoproclamadas amizades "verdadeiras", que no refúgio do argumento cronológico, encontram respaldo na indisponibilidade, quando manifestam o regozijo de suas vidas em suas redes sociais. O reconhecimento que nunca vem; a mim, pouco interessa-me os genéricos elogios à sapiência, que tornam-se irrelevantes ao revelarem a insignificância da busca de tudo aquilo pelo que lutei e acreditei. Muitos dedicam-se tão pouco e conquistam em abundância, enquanto minha diligência proporcionou-me não muito mais que meras congratulações que não servem nem mesmo como afago ao meu estilhaçado ego. A autoestima fragilizada arruína as já remotas possibilidades dos amores que a vida, acidentalmente ou não, poderia se encarregar de colocar em meu caminho. Não bastasse a aparência nem um pouco favorecedora, a peculiaridade de meus gostos faz com que eu seja visto como nada mais além de um bicho exótico, que chama a atenção — não necessariamente de forma positiva —, mas é bem melhor longe, visto à distância. A complacência, que faz de mim o "grande amigo", a quem todos recorrem quando lhes convêm, cuja existência posteriormente se desvanece de suas memórias.
Apesar de tudo isso, acreditei por muito tempo que a culpa era única e exclusivamente minha. Ora, mas quem procurou readequar a própria agenda acreditando que eram os próprios horários e tarefas as barreiras que faziam de mim alguém tão supostamente ausente na vida dos outros? Quem decidiu espairecer e sair, encarando a solidão, mesmo quando parte de mim suplicava para que eu não o fizesse sob o risco de uma autossabotagem ao me deparar com aqueles casais desfrutando do ápice do amor? Quem tomou a atitude de reconhecer os problemas e passou a encará-los mesmo quando até a própria família se mostrou adversa a ajudar-me? Quem é que está comigo, afinal de contas? Ao fitar a imagem no espelho, ele reflete e refrata o eu ofuscado entre as vergonhas, tristezas e fracassos. Mesmo assim, em meio a esse péssimo cenário, consigo ver algum resquício de força de vontade, a coisa que eu menos acreditei que tivesse. Eu sou minha própria sorte e sempre serei, e daqui em diante irei abraçar a solidão de bom grado ou não, pois é tudo que me resta. Não tenho nada a perder, afinal, nunca ganhei.
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Memórias de Ninguém
Aléatoire"Se nem em vida plantou seu marco, não é sua morte que o consagrará" - Jaz aqui as memórias de alguém cuja escrita e pensamentos se dissiparão com a mesma efemeridade dos segundos que até aqui se foram e ainda irão. São a memórias, pensamentos e ref...