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2 Março de 2001

                Estou sentado na escada do lado de fora do meu prédio decadente, uma escada que fica bem na direção da minha janela. Então tudo o que eu tenho é uma vista de mais prédios, um pedaço de céu azul e barras de ferro da escada velha enferrujada.

Meus jeans surrados azul claro são os meus preferidos e ainda não acredito que estou estragando enconstando nessa ferrugem, mas meu amigo o qual divido o apartamento, Bruce não aprova que eu fume dentro de casa. Ele também fuma, mas por algum motivo tenta ser o mais decente possível. Alguma coisa haver com higiene ou sei lá.

Termino o maço de cigarros e entro novamente em casa pela janela, caindo porque meu pé ficou preso na fresta. Me levanto e penso em tomar um banho, mas não faço isso.

Pego minha bicicleta que fica suspensa presa na parede entre a cozinha e o corredor. A casa seria mais bagunçada se Bruce não morasse aqui, eu garanto. É um lugar pequeno. Dois quartos, uma cozinha, uma sala e um banheiro. Luzes de natal pela cozinha até o balcão dividido entre a sala. Aqui é legal, melhor que morar com algum de meus pais, isso seria um pesadelo e eu já aguentei o bastante.

Tenho 23 anos e vou de bicicleta para faculdade, que a propósito não estou matriculado em nenhuma disciplina, mas assisto mesmo assim porque há beleza em sociologia, tenho que adimitir afinal de contas.

Vou também porque tenho um trabalho na biblioteca de organizar os livros na prateleira, pego alguns sem pedir e leio dentro de dois, trás dias.

Entro na sala de aula e sento em uma das cadeiras, jogo minha mochila no chão próximo ao pé da mesa. Não chamo atenção, por isso o professor não faz questão de me cumprimentar. Me acomodo na cadeira dura de madeira cruzando os braços tentando achar um conforto mínimo, ainda não sei sobre do que se trata a aula de hoje quando vejo um do alunos levantar as mãos para ter permissão para falar como se ainda estivesse no fundamental. Não faça isso, por favor.

"Diga senhor Rogers"

O professor concede a oportunidade do tal aluno falar.

"Estou ansioso pela sua análise de hoje"

Ele usa um tom sarcástico, esse aluno em específico é famoso pelos comentários inteligentes totalmente fora do raciocínio do professor.

"Interessante como a igreja usa da ciência apenas quando lhe é conveniente. 'Pessoas investidas' - faz aspas com os dedos - são incapacitadas biologicamente de gerar uma vida porque é considerado um pecado. Nisso a criação  está certa, porém ignoram totalmente a teoria evolucionista, dando credito apenas a teoria da criação, deixando agora a lógica da criação de lado..."

"Interessante senhor, Rogers. Quer dizer que você não concorda com a unificação-"

Rogers não deixa o professor terminar.

"Estou dizendo que religião e política não se misturam."

Olho para Rogers diretamente da minha cadeira, ele está uma fileira a frente, consigo ver seu perfil intacto e sério. Já reparei nele antes, um cara alto, cabelo loiro arrumado, camisa para dentro da calça. Mas que não parece cursar sociologia, devia estar estudando direto ou alguma coisa em que seus pais vão se orgulhar.

*

Assisto apenas essa aula das 8:20 da manhã, volto para casa em torno das 10:00 e troco de roupa. Visto uma camisa social branca e um blazer preto que garças a Deus está decentemente dobrado. Quando chego ao cemitério, minha família já está lá de frente para uma lápide.

"Oi mãe, oi Henry."

Abraço minha mãe e cumprimento o marido dela.

"Oi querido."

Ela faz um esforço para sorrir, Henry estende a mão para um cumprimento formal, ri de lado para mim.

Me abaixo e pouco e beijo o topo da cabeça da minha irmãzinha mais nova, Lola.

"Você está fedendo a cigarro e a bebida."

Ela fala abraçando minha perna. Me firmo ao lado dela e do meu pai. Harold Cretino Stark.

"Não dava para pôr uma gravata"

Pergunta não aprovando minha vestimenta, não faço questão de responder ou olhar para ele.

É o aniversário de morte do meu irmão mais velho Michael. Não quero falar sobre isso.

Depois do cemitério vamos até um café na cidade. Eu, minha mãe, Henry, Lola e meu pai.

" Você está bem mesmo?"

Minha mãe insiste em me perguntar isso, talvez a terceira vez só agora. Forço um sorriso e digo que sim com a cabeça, fico feliz quando Lola começa a falar sobre seu trabalho de artes chamando toda a atenção a ela tirando toda de mim, tenho que lembrar de agradecê-la mais tarde.

Lola tem os cabelos lisos e loiros abaixo dos ombros, usa uns óculos finos cor roxa, as vezes percebo que ela tenta impedir o sorriso, já disse que ele se parece lindo, mas não a convence. Ela é tímida e muito inteligente, desenha como ninguém.

"A professora me disse que eu posso fazer uma exposição na próxima feira de ciências!"

Ela fala contente tirando sorrisos satisfeitos da minha mãe e de Henry.

"Ela me disse que são ótimos e que sou muito talentosa-"

"Me passa o sal, Lola por favor?"

Harold interrompe Lola deixando um silêncio desconfortável, tão desconfortável que Lola não fala mais.

"Ela não acabou de falar, pai."

Digo para ele com um tom irritado.

"Lola é totalmente capaz de falar por si só, Tony"

Ele fala deixando o clima mais pesado ainda.

"Você está bem, Lola?"

Ele pergunta a ela.

"Sim, papai. Sem problemas."

Lola responde desanimada e eu respiro fundo me levantando da mesa.

"Certo, tenho que ir"

"Você ainda não comeu, querido."

Minha mãe tenta me fazer ficar, mas isso não é possível.

"Não estou com fome. Lola, quer que eu te leve à algum lugar?"

"Não Tony, acho que vou ficar com a mamãe."

"Okay, então tchau."

Dou um último beijo nos finos cabelos de Lola e saio daquele café.
_________
continua...

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