A PRIMEIRA PRISÃO

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O viajante vivera toda sua vida na pequena vila de São Victor, de onde saíra, e aquela era a maior cidade que conhecera até aquele dia, ele nunca vira tanta gente junta. As pessoas gritavam, cheias de raiva, algumas apanhavam de guardas, outras batiam neles, uma verdadeira confusão.

Havia um mendigo ali perto, o viajante se aproximou dele e perguntou:

- Com licença, o que está acontecendo aqui? Por que toda essa balbúrdia?

- O povo se cansou de pagar os altos impostos que o conde de Braga está cobrando e resolveu mostrar isso a ele, fazendo uma manifestação.

- A menos que o conde esteja, aqui não vai ouvir os gritos deles.

- Ele não, mas os cobradores dele sim.

- Não parece estar funcionando.

- Geralmente não funciona, mas ninguém consegue ficar calado diante de uma injustiça. Você não é daqui, é?

- Não, obrigada pelas explicações. - O viajante deixou o mendigo sozinho e foi em direção à turba, queria ver de perto aquela tal de manifestação.

Minutos mais tarde o viajante estava parado em frente a um armazém, distraído, quando sentiu uma pancada forte nas costas que o levou ao chão e o deixou sem ar, dois homens brigavam e um deles lhe atingiu com um soco, por engano.

- Idiota! - um deles gritara, fuzilando - o com os olhos.

O viajante não gostava de apanhar, muito menos de ser ofendido, sem motivo, ficou muito irritado e partiu para cima dos dois brigões, derrubou um, se embolaram pelo chão, foi puxado pelo outro que lhe deu um soco no rosto, ele devolveu, o que estava no chão se levantou e agarrou o outro por trás, o viajante lhe deu um chute no traseiro, mais parecia uma comédia malfeita do que uma briga de rua.

Dez minutos depois dois guardas apareceram, separaram os três e os levaram presos por fazerem arruaça e foram jogados numa cela da prisão da cidade. À noite um guarda veio e levou um dos brigões, o viajante, preocupado, questionou o brigão que ficou:

- O que será que vão fazer com ele?

- Nada.

- Como assim nada? Levaram ele.

- Ele é um dos cobradores do conde que cuidam da nossa cidade e estava me cobrando a minha taxa, eu me recusei a pagar, ele me encostou na parede e foi assim que começamos uma briga. Não vão fazer nada com ele.

- Mas e nós?

- Você eu não sei, mas eu devo ficar um bom tempo aqui, talvez leve uma surra deles.

- Você não parece estar com medo.

- Conheço um guarda que me ajudará. Só preciso esperar ele aparecer.

- Peça para ele me ajudar também, eu só estava me defendendo de vocês, por favor.

- Ele não vai me ajudar de graça, por que eu gastaria o pouco que tenho para ajudar um estranho?

- Por que - respondeu o viajante, encarando-o com raiva - eu posso contar algumas coisas sobre você para o guarda, coisas ruins, e tentar um acordo com ele.

- Você não sabe nada sobre mim.

- Sei o suficiente para inventar uma história, que pareça verdade, a seu respeito e faça eles irem atrás de você até no fim do mundo.

- Está bem, mas eu prometo que quando estivermos fora daqui eu vou acabar com você.

- Certo. Quem é o guarda que vai nos ajudar?

O brigão encarou - o em silêncio, o viajante sustentou - lhe o olhar até que ele lhe deu as costas. Na manhã seguinte, um guarda diferente lhes trouxe pão e água, o brigão puxou -lhe para um canto e os dois cochicharam por um bom tempo. O viajante imaginou que aquele fosse o tal guarda que ia libertá -los e não se incomodou em tentar ouvir o que diziam, só esperou.

Depois de uma ou duas altercações o guarda se foi e o brigão foi ter com o viajante:

- Ele não ficou muito feliz de ter que tirar duas pessoas daqui ao invés de uma.

- O que ele te deve?

- Ãh!?

- Para te ajudar, ele deve estar te devendo alguma coisa. O que é?

- Contente - se com o fato de que vai poder sair daqui.

- E como vai ser isso?

- Ainda não sei, mas ele vai voltar meia noite, fique preparado.

Um pouco antes da meia noite o guarda voltou, trazia dois sacos de pano encardidos, embaixo do braço, que jogou nos dois prisioneiros.

- Entrem dentro dos sacos - ordenou-lhes.

- Para quê? - perguntou - lhe o viajante, mas obteve apenas um olhar raivoso como resposta.

O brigão pegou o saco e vestiu - o como se fosse um vestido, depois deitou - se no chão e deixou que o guarda amarrasse a boca do saco, o viajante, vendo que não tinha outra opção, fez o mesmo. Ouviram alguém dizer:

- Como eles morreram?

- Não sei e não nos interessa saber, apenas devemos jogá - los no rio. Vamos - respondeu o guarda.

O viajante sentiu ser levantado, imaginou que estava sendo posto nas costas de alguém, foi carregado por um tempo, jogado no chão como um trapo, deixando escapar um gemido que o guarda fingiu ser seu, depois foi jogado nas costas de alguém e carregado por mais um tempo.

Começou a sentir o som de água correndo e o cheiro dela quando foi largado no chão de novo, dessa vez tapou a boca para que seu gemido não fosse ouvido. O guarda mandou que o outro homem voltasse para a prisão e um minuto depois, abriu os sacos.

- Sumam daqui, agora - enxotou - os.

O viajante estava quase desmaiando por ter ficado tanto tempo dentro de um saco fechado, onde mal entrava ar, mas conseguiu se levantar e sair andando. Vinte minutos depois ouviu passos atrás de si, imaginou que fosse seu companheiro de cela querendo cumprir o que prometeu e se pôs a correr.

Não foi pego, talvez fosse apenas um animal noturno, não importava e ele só queria estar longe dali. Aprendera algumas coisas naquela cidade: manifestação não é coisa boa, não seja impulsivo, mantenha a calma, a prisão é um lugar horrível e fedorento e a curiosidade pode te fazer muito mal.

As histórias do viajanteOnde histórias criam vida. Descubra agora