UM MUNDO NOVO

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O viajante desembarcara no porto de Málaga na Espanha após duas semanas no mar, ganhara 20 escudos pelos seus serviços como marujo, mas ao ver aquelas moedas de prata com desenhos de uma espécie de escudo em seu anverso ele achou que havia algo de errado com elas:

- São de verdade? - ele perguntou revirando uma das moedas de um lado para o outro.

- ¿Como? - perguntou o marujo que lhe entregou o dinheiro.

O viajante pegou uma das que estavam no bolso de suas calças, roubadas de outro marujo juntos com o uniforme e o trabalho dele, e mostrou - a àquele marujo dizendo:

- São diferentes, veja. - O marujo olhou as moedas, sorriu e disse:

- Aquí ya no usamos el real, sino el escudo. - O viajante sempre pensou que todo o mundo usava o mesmo dinheiro e para ele não fazia sentido nenhum uma moeda diferente.

- Por quê isso? - perguntou. O marujo deu de ombros e respondeu:

- El rey lo quería así.

O viajante observou a moeda por mais alguns minutos, o marujo vendo a desconfiança do colega afirmou:

- Uno escudo vale 10 réis, tienes 20 mil-réis em tus manos amigo. - o marujo deu um tapinha no ombro do viajante e foi embora.
Sem outra opção o viajante embolsou o dinheiro, saiu do porto e foi em direção ao centro da cidade, lá comprou uma muda de roupa para se livrar das fedorentas que vestia, foi a uma estalagem e pagou por um banho. As roupas, as botas e até a boina eram usados, mas estavam em bom estado e lhe caíram bem, parecia até um homem de posses.

O viajante nunca vira uma cidade tão grande como aquela, as casas eram enormes, algumas pareciam palácios, ele pensou que ali só devia morar gente rica. Olhava encantado e assustado para tudo e todos, mas sem enxergar nada à sua frente e acabou por dar um encontrão numa jovem, quase a derrubando.

- Desculpe-me - ele pediu, segurando-a.

- Todo bien, estaba distraída y no te vi.

- Eu também estava distraído.

- ¿Eres português?

- Sim, acabei de chegar.

- O que te trouxe a este país?

- Nada em especial.

- Me chamo Eulália e você?

- Todos me chamam de viajante.

- Viajas muito?

- No momento sim.

- Não vai me dizer o seu nome? De verdade?

- Prefiro não dizer.

- Todo bien. Me fale, Portugal é tão bonito quanto dizem?

- Sim, mas nunca vi lá nenhuma cidade tão bonita quanto esta.

- Ainda não vistes nada - Eulália sorriu.

- Como falas minha língua tão bem?

- Nossa preceptora ensinou a mim e aos meus irmãos quando éramos crianças.

- Nossa o quê?

- Preceptora, a responsável pela nossa educação.

- Ah sim, uma professora?

- De certa forma. O senhor não teve uma?

- Tive sim, mas eu a chamava de professora, devo ter esquecido que o certo era preceptora. - Na verdade o viajante fora educado em uma pequena escola perto de onde morava, mas a jovem parecia vir de boa família e, por algum motivo que ele desconhecia, não quis que ela soubesse que não tinha onde cair morto.

- Foi ela quem lhe ensinou Espanhol?

- Sim. - Na verdade fora um amigo de seu pai, mas ele continuou mentindo.

- Com tantos lugares para conhecer pelo mundo, por que a Espanha?

- Acreditaria se eu disse que comprei passagem para o primeiro barco que eu vi e ele me trouxe até aqui?

- Não. - Ambos riram.

- Pois foi isso que aconteceu, me cansei de Portugal e decidi que iria para algum lugar, quando cheguei no porto de Setúbal fiz exatamente assim.

- Gostaria de poder fugir assim também - ela disse piscando-lhe um olho.

- O que uma dama como a senhora faz sozinha no meio de toda essa movimentação? Devem haver ladrões por aí à espreita - o viajante perguntou um pouco constrangido.

- Senhorita, por favor. Estava apenas passeando, sempre faço isso e não acontece nada. Mas, se o senhor quiser pode me acompanhar até a estalagem onde estou, me sentiria mais segura assim. - Ainda mais constrangido ele demorou a reagir, quando o fez sorriu e deu - lhe o braço, ela o aceitou, mas mal deram alguns passos, ouviram alguém gritar:

- Alteza, alteza!

O viajante viu Eulália revirar os olhos e suspeitou que fosse com eles, virou - se para trás e viu dois brutamontes que aparentavam ser guardas vindo em sua direção, quando chegaram perto um deles agarrou seu braço e o puxou:

- ¡Aléjate de ella ahora!

- ¡Déjalo, es un amigo! - Eulália tentou defendê-lo.

- Estoy seguro de que no es. Su majestad, la reina Isabel II, no le agradará saber que Su alteza estaba paseando en compañía de extraños - falou o outro brutamontes.

- Ya te dije que este señor es un amigo y me iba a acompañar a la posada cuando apareciste tú haciendo todo este alboroto.

- Le pido a Su alteza que nos acompañe, lo llevaremos a la posada.

- Yo voy, pero él viene conmigo.

- No y lo arrestaremos si Su alteza insiste - ameaçou o primeiro brutamontes.

- ¿Por qué?

- Molestia.

- Pero…

- Vea Su alteza por favor se lo ruego...

- Está bien. Até logo viajante, foi um prazer conhecê-lo.

O viajante, boquiaberto, mal havia entendido o diálogo e apenas acenou para a jovem, que foi quase arrastada pelos supostos guardas. Quando a ficha finalmente caiu, ele pôde sorrir daquela situação, era inacreditável, quantas pessoas podiam dizer que pelo menos uma vez na vida conversaram com uma princesa? Poucas e agora ele era uma delas. Aquele fora um dia de sorte e a conversa com a princesa Eulália foi uma excelente "boas vindas" àquele mundo quase totalmente novo.

As histórias do viajanteOnde histórias criam vida. Descubra agora