RUMO AO MAR

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Um dos maiores sonhos do viajante quando criança era conhecer o mar e agora ele estava ali, há poucos quilômetro dele. Era tão linda aquela imensidão azul encerrada pelo céu da mesma cor no horizonte e cheia de barcos chegando ou partindo, águas de uma calma que contagiava a quem as via. Mais perto dele, o porto de Setúbal fervilhava de gente embarcando e desembarcando, marujos transportando mercadorias para lá e para cá, abastecendo embarcações de todos os tipos e tamanhos, comerciais e algumas de guerra.

O viajante passara horas observando aquele cenário, encantado, até decidir que embarcaria em uma daquelas embarcações de um jeito ou de outro. Ele procurou um lugar para comer e, quando achou, se viu numa taberna cheia de marujos, homens de uniformes esfarrapados, meio bêbados que lhe deram uma ideia. Gastara os poucos trocados que tinha com uma garrafa de vinho barato e, fingindo - se de bêbado, sentara - se em uma mesa onde três marujos tentavam cantar.

Um amigo mercador do seu pai era de família espanhola, apesar de ter nascido em solo português, e lhe ensinara alguma coisa, o suficiente para entender que aqueles homens trabalhavam em um galeão espanhol, carregando mercadorias, e que iam zarpar no fim da tarde. Quando já estavam tão bêbados que nem se lembravam que eram, o viajante chamou o marujo mais miúdo, que era o mais parecido consigo e o único solteiro, de canto e lhe disse:

- Amigo... tengo una mujer esperándome en el puerto... va con una amiga... muy linda.. que necesita compañía... ¿sabes?

- Ãh... ¿Muy linda?

- Sì. ¿Conoces a alguien... que pueda aydarme a ayudarla?

- ¡Yo! - o marujo exclamou de braços abertos e sorrindo feito um bobo.

- ¡Gracias! ¡Vamos a las mujeres! - o viajante vibrou passando um braço pelo ombro do companheiro, se despediram dos outros e saíram da taberna trôpegos, quase caindo.

O viajante o arrastou por algumas ruas, quando encontrou uma deserta ele parou, como se tivesse lembrado de algo:

- Escucha... vamos a cambiarnos de ropa...

- ¿Ãh? - perguntou o marujo confuso.

- La mujer que me espera... ama a un marinero, pero no amiga... si intercambiamos complacerá a los dos. - O marujo o olhou desconfiado por um instante, mas depois concordou e começou a arrancar a roupa desajeitadamente, caindo no chão.

O viajante, em pé, tirou sua roupa, vestiu a do "amigo" e, meio zonzo pela bebida, saiu correndo antes que ele se levantasse. Perdeu - se pelas ruas pedindo, silenciosamente, perdão a Deus e ao marujo pelo que fizera e pensando que não aguetaria o fedor daquelas roupas por muito tempo. Conseguiu chegar ao cais onde o El Majestuoso estava ancorado, mas, a despeito do nome, o galeão não tinha nada de majestoso, era velho, pequeno e, apesar de ainda estarem recolhidas, podia se ver que suas velas estavam bem surradas.

O viajante imaginou que em outros tempos ele podia ter feito jus ao nome, pensou também que o galeão não aguentaria uma tempestade e esse pensamento provocou - lhe um calafrio, ainda assim, seguiu para ele. Enquanto se aproximava enfiou as mãos nos bolsos da suas vestes e encontrou 200 réis e documentos, sorriu ao ler o nome neles, embarcaria como Solano Cerdo.(Nota: cerdo é porco em espanhol)

Alguns homens carregavam caixas para dentro da embarcação, ele fez o mesmo. Quando acabaram, os marujos embarcaram, as amarras foram soltas e o El Majestuoso partiu sem desconfiar que levava um intruso. Meia hora depois, de cócoras, com a cabeça enfiada num balde e o estômago dando voltas dentro de si, o viajante descobriu que aquela viagem não seria tão tranquila quanto lhe pareceu.

À noite, apesar de todo o enjôo que sentia, subiu ao convés e ficou à admirar o mar à luz da lua e das estrelas, era tão lindo quanto de dia. Quando, a exatamente um ano atrás, ele saíra de casa querendo conhecer o mundo, não imaginara que iria tão longe e agora estava ali, num galeão rumo à Espanha, rumo a outro país, de repente sentiu vontade de pular no mar e voltar para trás, mas já estava longe para isso.

Se perguntou se um dia voltaria para casa e, se voltasse, se seus pais ainda estariam vivos. Junto com o medo veio a saudade e ele chorou, como a muito tempo não chorava. Prometeu a si mesmo que, assim que pisasse em terra firme, daria um jeito de mandar notícias suas para seus pais e de ter notícias deles, prometeu também que voltaria para casa antes de ter que se despedir deles para sempre.

As histórias do viajanteOnde histórias criam vida. Descubra agora