Caía uma chuva torrencial na estrada para Priego e o viajante não conseguia enxergar nada à sua frente, foi quando viu uma estrada mais estreita que adentrava na mata à sua direita, resolveu segui - la, talvez encontrasse uma árvore grande o suficiente para protegê - lo da maior parte da chuva. A estrada terminou numa casinha, o viajante bateu na porta, gritou, mas ninguém lhe respondeu, experimentou a porta, estava destrancada e ele entrou, chamou mais algumas vezes, mas nada.
A casinha estava às escuras, exceto por um ou outro clarão dos raios que caíam lá fora. Num desses clarões o viajante teve o vislumbre de um cabideiro, ele tirou toda a sua roupa encharcada e pendurou lá. Só de calções tateou pela casa em busca de algo com que pudesse se cobrir e onde pudesse descansar. Abriu uma porta, bateu a perna algo duro que tateou e descobriu ser uma cama, se jogou nela, se enrolando em seus lençóis e tentou dormir, mas assim que fechou os olhos e relaxou, uma voz o chamou:
- ¡Despierta! - O viajante olhou em volta, não havia ninguém, então achou que fosse coisa da sua cabeça, mas a voz insistiu:
- ¡Despierta hombre!
- Eu só queria um abrigo da chuva, achei que estava abandonada e entrei. Desculpe, eu vou embora - disse o viajante correndo pela casa e derrubando tudo. Não via ninguém e começou a suspeitar de uma alma.
- ¡Cálmate hombre, parece que viste un fantasma!
- E... e... eu já tô indo. - O viajante tenta vestir suas roupas, mas tremia tanto que se enrolou todo e foi ao chão.
- Necessito que me ayudes.
- Por... por que eu?
- Por qué estás aquí. Déjate de gilipolleces(besteira), ya estoy muerto, no puedo hacerte daño(mal).- O... o que queres?
- Primero hablar claro(fale direito), segundo pagar mi deuda(dívida).
- Eu não tenho dinheiro algum.
- Yo tengo, oculto. Quiero que lo recojas y lo lleves al duño de la tienda de Priego, ese canalla anda diciendo a diestro y siniestro que me hago la muerta(finjo de morto) para no pagarle.
- E... E por que tu não falas com ele?
- Lo he intentado. La primera vez se desmayó, la segunda me echó(jogou) agua bendita, ajo, cebolla, una ramita de ruda, casi me vuelvo a morir(morro de novo). No funciona.
- E se eu não ajudá - lo?
- Hablemos hasta que me ayudes.
- E... eu vou embora.
- Por favor ayuda a una pobre alma a tener paz - implorou a voz. A despeito do medo que sentia, o viajante resolveu ajudá - lo.
- Está bem, onde está o dinheiro?
- Enterrada debajo de la higuera, detrás de la casa, hay una piedra en su lugar. Dile a José que lo mandó León, son 20 escudos, no le des ni una moneda más y te quedas el resto, ya no me sirve.
- Como você morreu?
- Me caí del caballo. Gracias por ayudarme.
Ao acordar pela manhã o viajante pensou que tudo não passara de um sonho, mas mesmo assim foi até os fundos da casa, havia uma pedra embaixo da figueira, ele arrastou a pedra para um lado e cavou o local até encontrar uma bolsinha de couro cheia de moedas dentro, cerca de cem escudos. Vendo que era real, o viajante foi até a cidade e, depois de comer alguma coisa, fez o que Leon pediu:
- Buenos dias, vine pagar la deuda de Leon.
- ¿Sí? ¿Han pasado tres meses desde que murió, es un poco tarde, no?
- Não. Aquí hy veinte escudos. Tómalo. - O viajante entregou - lhe um saquinho de couro.
- Ãh, ãh. Son cuarenta.
- Elle me dijo que son veinte, nenguma moneda a más.
- Ese pícaro mentiroso de una figa. Cuarenta - insistiu José.
- Quédate(fica) con esos veinte y el resto lo liquidas(acertas) con él(ele). Adiós. - O viajante colocou o saquinho de couro no balcão da mercearia e foi embora, deixando José boquiaberto e de olhos arregalados. Ele não queria ver nem ouvir Leon de novo e tinha certeza de que José também não.
VOCÊ ESTÁ LENDO
As histórias do viajante
Short StoryDepois de uma desilusão amorosa, e inspirado em um amigo de seu pai que viajava por muitos lugares como mercador, um jovem que vive em Portugal, no séc. XIX, resolve sair por aí, de cidade em cidade e sem destino certo. Em uma série de contos esse l...