Entardecer No Lago

Capítulo 18: Você Sempre Soube a Verdade

Quando Miguel Maya começara a frequentar a igreja, foi como se finalmente, depois de anos, sua vida voltasse a ter algum sentido. Ele estava completamente envolvido e entregue à palavra e aos ensinamentos daquela religião. 

Ele estava tão contente e entregue que, mesmo depois de rever Amelice Ferreira - responsável por simplesmente destruir sua vida - ele continuava em paz.

Aos poucos, Amelice se reaproximou e, aos poucos ele também foi cedendo aos encantos dela - que eram muitos.

Amelice tinha algo de encantador que, pelo menos para Miguel, ninguém mais possuía. Ela era, sem dúvidas, uma das filhas de Vênus na terra.

Ela, inclusive, o confidenciara seu relacionamento diferente com Gregory Aguiar - e disse também que ele era homossexual. No começo, Miguel Maya tinha ficado impactado com a situação, não por conta dela em si, mas, por conta da igreja e de toda a construção imponente e socialmente aceitável que ela tinha construído. Sobre a homossexualidade de Gregory, não tinha sido exatamente uma surpresa, até porque, o próprio Miguel, vez ou outra, se envolvia com rapazes.

Com o passar do tempo, as chamas entre ele e Amelice voltaram com mais força e era praticamente impossível evitar e, até mesmo, disfarçar os olhares.

Toda aquela química e toda aquela chama não ficaram invisíveis aos olhos de ave de rapina da Ministra da Congregação.

Foi numa tarde de domingo que Miguel Maya se viu diante de Marisa Aguiar bem à porta de sua casa.

A mulher usava um blazer e uma saia azuis, com saltos scapins brancos, uma maquiagem quase imperceptível e uma bolsa à tiracolo.

Convidada a entrar, Marisa sentara-se em um dos sofás da sala de Miguel e, como sempre costumava fazer, foi direto ao ponto

- Imagino que saiba o motivo de minha vinda até aqui.

- Na realidade não, senhora. Estou até muito surpreso.

E estava mesmo. De todas as pessoas do mundo, Miguel não imaginaria que fosse receber a visita da esposa do pastor.

- Bem - ela disse, deixando o ar sair dos pulmões, enquanto analisava a sala - Como Ministra da Igreja e como irmã em fé, eu preciso ficar atenta a tudo que acontece à minha volta, irmão Miguel.

- Sim, temos sempre que estar atentos, irmã.

- É - ela o fitara com desprezo - Acontece, irmão, que durante essas minhas observações eu fui capaz de notar algo que me deixou intrigada, para dizer o mínimo. Algo que vai de encontro ao seu passado.

- Do que a senhora está falando, irmã Marisa?

- Do seu envolvimento amoroso com minha nora, Amelice. Não precisa se dar ao trabalho de mentir para mim, Irmão. Eu vejo tudo, eu sei de tudo e nada é escondido de mim. O que eu quero do senhor é apenas uma ajuda.

Miguel não sabia o que falar. Marisa dizia aquilo com tanta propriedade e certeza que ele era capaz de jurar que ela tinha, no mínimo, visto algo ou que, na pior das hipóteses, Amelice já havia contado tudo a ela.

- O que a senhora quer?

- Ajuda, Miguel! Digamos que eu precise de uma certa quantia em dinheiro e que, por hora, não tenho de onde tirar. Mas, sendo você quem é, um empresário, isso será fácil.

Daquele momento em diante, Miguel Maya e Marisa Aguiar estavam entrelaçados. Não daria mais para voltar.

* * * 

Depois que Gregory ficara sabendo da lavagem de dinheiro que a própria mãe, com a ajuda de Miguel Maya, estava fazendo dentro da Igreja, o mundo dele caiu.

O futuro pastor não sabia bem o que pensar e nem o que seguir. 

Se a mãe, que sempre tentava se mostrar o grande exemplo da congregação e da sociedade estava sendo capaz do mais fútil dos pecados, o que dirá dele? Como ele poderia simplesmente fechar os olhos para tudo aquilo e continuar? Não dava.

Ainda tinha a questão de Amelice e os depósitos em sua conta pessoal. Depósitos que, supostamente, tinham sido feitos por sua mãe.

Para Miguel, tudo era muito simples: Amelice, num dado momento, havia descoberto o esquema da futura sogra e, faminta por dinheiro quase tanto quanto ela, começara então a exigir uma quantia mensal para ficar calada diante de todo o esquema. 

Amelice, à época, era tesoureira da Igreja. Tudo passava por ela. Não seria difícil saber como incriminar a Ministra e o fornecedor laranja.

Era simplesmente impossível saber de tudo aquilo sem fazer uma terrível - e macabra - ligação: teria sua mãe, diante da chantagem da futura nora, matado Amelice Ferreira?

Para Gregory, era claro demais. Só que, por um outro lado, aquela imagem da loira saindo do carro nomeio da noite não se assemelhava em nada com sua mãe.

Não era ela.

Mas, se não era ela, quem haveria de ser?

Rapidamente, Gregory pegara seu celular e telefonara para Carlos Daniel.

- Preciso que me envie as fotos que você tirou da tela do computador. As fotos que mostram a loira saindo do carro.

- O que foi? - Carlos Daniel queria entender - Descobriu alguma coisa?

- Simplesmente me mande, Carlos Daniel. Depois eu teexplico.

Segundos após desligar, as fotos chegaram em seu mensageiro eletrônico.

Nítidas dentro do possível, elas mostravam aquela loira encostada no carro da igreja. 

Não, não era sua mãe.

Apanhou as chaves de seu próprio carro e foi seguindo em direção à porta da rua.

- Que pressa é essa, filho? - indagara a mãe por suas costas, como um fantasma.

Ao virar-se, Gregory vira, além dela, seu pai.

Os dois mais pareciam um retrato antigo, como a fachada da perfeição. Por segundos, o filho sentiu nojo.

- Tomar um ar... Eu não estou bem.

- Pare com isso - a mãe disse, tom autoritário - Venha, vamos para a mesa, oraremos antes do jantar e você vai ver que tudo vai ficar bem.

- Nem tudo pode ser resolvido com oração, mãe.

- Como ousa dizer uma coisa dessas, Gregory? - o pai interveio - Não aceitamos esse tipo de blasfêmia dentro dessa casa.

- E qual o tipo de blasfêmia vocês aceitam aqui, pai? Eu posso perguntar?

Os pais se entreolharam. Gregory podia sentir a fúria e a turbulência dentro deles.

O silêncio prevaleceu.

- Foi o que eu imaginei... 

Sem esperar respostas, o futuro pastor saiu de casa, batendo a porta com certa truculência.