Capítulo 16: Aguiar

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Marisa Aguiar não tinha tido uma vida fácil. 

Perdeu os pais muito nova, o que a fizera ir morar com uma tia numa cidade vizinha à Pedra Dourada. Na escola, a chamavam de caipira.

Com o passar dos anos, Marisa começou a criar um escudo de proteção. A menina orfã criada pela tia (que tinha sérios probleas psicológicos), encontrou na igreja que tinha no fim da rua um refúgio para toda a sua angústia.

Logo, ela engrenara dentro da Congregação. Em pouco tempo, já era professora de jovens e menores e, em seguida, começara um namoro com Nataniel que, à época, era um dos encarregados de levar a congregação para as cidades adiante. 

Depois de algum tempo, os dois ficaram noivos e, logo após o casamento, mudaram-se para Pedra Dourada, onde tinham a missão de construir a congregação e, dali em diante, montar mais um rebanho do Senhor.

Para Marisa, o amor nunca estivera em primeiro lugar. A sobrevivência sim.

Nataniel Aguiar era um jovem promissor - tanto dentro da igreja quanto fora dela - Iria assegurar sua sobrevivência e a constância de sua vida financeira.

O lado emocional, para ela, nunca tinha importado tanto. Ela era autossuficiente, forte, poderosa.

Alguns poucos anos depois do casamento e da fundação da igreja na cidade, Marisa ficou grávida. 

Gregory Aguiar veio ao mundo sete meses depois, por complicações na gestação. Por sorte ou graça divina, o menino tinha nascido saudável. 

Só que, por um outro lado, não demorou muito até Marisa notar certas tendências do filho. 

Ela já havia lidado com aquilo antes, não seria tão dificil lidar mais uma vez.

Aos poucos, Marisa ia introduzindo o pequeno à Palavra e, quando se deu conta, já tinha enviado o menino para São Paulo, onde iria morar com a cunhada, Leide.

Enquanto isso, ela assumia o Ministério e, ao lado do esposo, construía laços ainda mais forte dentro da congregação.

Quando Gregory voltara para Pedra Dourada, após sua formação em Pedagogia, Marisa sentiu que, naquele âmbito, nada havia mudado. Ela sabia que aquilo não era possível de ser mudado. Ainda assim, ficara muito contente quando percebera que o rapaz estava tentando. Ele tentava seguir o destino que havia sido traçado pra ele anos antes: assumir a congregação no lugar do pai.

Logo que Gregory falou a ela e ao pai que estava namorando Amelice Ferreira, Marisa entendeu imediatamente o contexto daquela relação. 

De duas, uma: Gregory estava tentando negar-se a ser quem ele era ou aquilo era um acordo.

Ela com certeza apostava no acordo.

Não demorou muito para que Amelice começasse a frequentar sua casa, comer em sua mesa e dormir, vez ou outra, no quarto de visitas - o namoro era santo, diziam os dois.

Aquilo não estava agradando Marisa.

Ela não sabia explicar a razão, mas, algo em Amelice Ferreira fedia.  Como boa mãe, ela tratara logo de se informar sobre o passado da moça e, claro, tinha ficado chocada com o que havia descoberto sobre ela: drogas, traições, namoro com um professor... Amelice era, sem dúvidas, um terror. 

Foi então que, tomada por uma avalanche protetora, a matriarca Aguiar decidiu chamar a futura nora para uma conversa à sós na chácara da família - a cerca de 15 km do centro de Pedra Dourada.

O clima estava quente, a paisagem era de seca. A vegetação dentro da chácara mantinha-se impecável - parte por causa da irrigação e parte por causa do caseiro que sempre fazia o possível para que aquilo acontecesse.

Marisa e Amelice chegaram sozinhas à casa. 

Marisa usava um longo vestido florido com chapeu de praia e óculos escuros, enquanto a nora estava com um vestido na altura do joelho, material parecido com o jeans e os cabelos presos dos dois lados da cabeça, num penteado quase angelical.

Falaram a Gregory e Nataniel que iriam conversar sobre o casamento, sobre a Palavra e sobre o futuro.

Blefe puro.

* * * 

- Acho que a senhora conseguiu construir um exemplo de família, dona Marisa! A Igreja é o melhor reflexo disso. 

- Não seja tola, Amelice. Nada nesse mundo é perfeito, além de Deus. Minha família, como outra qualquer, tem suas limitações. 

- A minha também...

- Imagino que você conheça muito bem as limitações do Gregory.

Amelice sentiu o coração gelar. Era evidente que a mãe sabia muito bem do que falava. Os olhos de Marisa pareciam querer fuzilá-la.

- Em um relacionamento a gente acaba conhecendo a outra pessoa da forma mais profunda possível.

- Sim, sem dúvidas...

A mulher com chapéu, de praia deu um gole num refresco de limão que lhe fora servido minutos antes.

- Você é uma mulher forte, Amelice Ferreira! - continnuou Marisa - Inteligente, destemida, perspicaz...

- Eu agradeço, dona Marisa. Não sei nem o que dizer.

- Não precisa agradecer. Eu sei exatamente o que está acontecendo aqui, minha querida.

- Como assim?

- Sei que você e o Gregory não passam de bons amigos. Sei que ele não tem nada romântico, sequer sexual contigo. Eu sei das limitações do meu filho.

Amelice ficou parada encarando a mulher. Ela não sabia o que dizer. Ela não podia dizer nada, caso contrário, acabaria entregando o amigo.

- Não tenha receio, Amelice! - disse Marisa, terminando o refresco - Eu não estou surpresa, nem muito menos chateada. É muito inteligente da parte de vocês, eu diria até que é um excelente negócio.

- Negócio?!

- Sim, claro que você não entraria nessa por nada, não é?! Quero dizer, além do status. 

- A senhora está querendo dizer que eu estou me relacionando com o Gregory por interesse?!

- Eu estou dizendo exatamente isso e não ouse me falar o contrário, Amelice. O Gregory tem certas tendências, isso não é segredo para mim. É louvável o que estão querendo fazer para segurarem o legado dele, segurarem a igreja e tudo o mais, mas, eu quero que saiba que, com relação ao nosso dinheiro, você não irá conseguir. O casamento será feito em separação total de bens, está entendido?!

- A senhora está sendo muito rude comigo, dona Marisa. Eu não quero me casar com o Gregory por interesse financeiro. Eu quero fazer isso por causa da Igreja. Pela vocação dele e pela minha.

- Ótimo, então não teremos problemas com um casamento em regime de separação total de bens. Isso sim é que é amizade, minha querida. 

Amelice ficou calada. Aos poucos, ela percebeu que Marisa Aguiar era sua inimiga. 

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