Capítulo 2

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JONATHAS

Mais uma vez o sol se pôs e a noite começa a banhar o céu, antes cheio de nuvens, agora acendendo luzes que piscam aqui e ali. As estrelas. Sem dúvida, a variação de corpos celestes mais fascinantes. Especialmente quando podem ser vistas a olho nu, num lugar onde não existe poluição luminosa que impeça esse feito.

Termino de separar os ingredientes no balcão da cozinha e aumento moderadamente o volume do rádio no botão de ajuste. É inacreditável como essa antiguidade continua funcionando. Quer dizer, ela não é tão velha assim, mas o sinal que chega até aqui também não é de toda qualidade.

Dou uma última olhada para a janela lateral, e ajusto novamente o som, para mais baixo. Não quero que ele me atrapalhe caso Naná chame por mim. Ainda assim, cozinhar enquanto ouço música é muito mais agradável do que não ter companhia.

Ligo o fogão e coloco parte do preparado numa panela. Corto mais algumas verduras e adiciono mais um pouco de água. O tique-taque do relógio se mistura com a música aos poucos, e em segundos consigo distinguir todos os sons separadamente, parecendo uma espécie de orquestra. Talvez eu esteja exagerando, mas esses dias no campo tem me trazido ares novos e uma restauração de espírito que eu não havia planejado. E fico feliz com isso.

Espero mais alguns instantes para o caldo ficar encorpado, quando o locutor inicia sua chamada, indicando que o jornal estava prestes a começar. Desligo o aparelho de rádio e mexo o ensopado uma última vez. Tic-tac; tic-tac. Olhei para o relógio uma última vez, e desliguei o fogão. O jantar estava pronto. E parecia muito bom. Naná não poderia reclamar dessa vez.

Vir até a cozinha não era problema grave (especialmente enquanto eu estivesse aqui), mas devido a artrose e recomendações minhas, minha avó aguardava essa última refeição no quarto, hábito que firmei nos dias em que estou aqui. A casa em si não era exatamente grande, mas muito aconchegante. Havia uma pequena sala de estar – lugar em que eu passava algumas horas do dia, lendo ou pesquisando alguma coisa no meu computador; dois quartos – um de Naná e o outro onde eu me instalara; a área de serviço, uma dispensa e o banheiro. Nos fundos também havia um quartinho que atualmente está fechado; era onde meu avô guardava as suas ferramentas de trabalho.

As paredes tem tons pastéis e aqui e ali a decoração se completava com quadros (pinturas ou, em sua maioria, fotografias), vasos de plantas e móveis antigos. Não sei porque estou descrevendo-a, mas, talvez, eu só esteja com ela na cabeça vinte e quatro horas por dia para não me lembrar dos detalhes. A verdade é que nunca passei tanto tempo nela quanto agora, antigamente não era bem assim. Eu só vinha para cá no período em que não estava estudando (não tão regularmente também, porque precisava esperar as férias de trabalho dos meus pais), para visitar um casal de idosos gentis que me recebiam com a maior alegria. Isso é, acontecia até meu avô falecer e eu crescer, tendo que me mudar para a capital paulista ainda na adolescência e depois, morar sozinho enquanto cursava Administração.

Isso foi há uns seis anos, mas ainda sentia um carinho especial por Naná. Anastácia era minha única avó que ainda estava viva, lúcida e esbanjando carisma, e eu não poderia deixar uma oportunidade de vê-la outra vez escapar. Só não esperava ficar preso aqui, sem a possibilidade de acessar a cidade. Não que eu não fosse capaz de me ausentar do ambiente urbano, mas a possibilidade de Naná necessitar de algum tratamento médico era algo que me preocupava.

Mesmo assim, fico feliz de estar aqui, e por ter conseguido chegar a tempo quando a pessoa que cuidava de Naná teve de se ausentar uns dias, porque apesar de Naná insistir que não precisava, eu e o restante da família tínhamos uma opinião forte de que ela não podia mais ficar totalmente sozinha.

Um encontro inesperadoOnde histórias criam vida. Descubra agora