Anita me encara atenta e percebo nos olhos dela uma sede por informação. Não a culpo, afinal, faz quarenta anos que guardo esse segredo comigo. Quarenta anos que escuto as mais diversas histórias, com os mais variados enredos e criativos fins.
As pessoas falam muito sobre mim, mas principalmente sobre nós dois. Calum e Rebecca.
Nossa história sempre será lembrada nesta cidade como se fossemos Romeu e Julieta, com a única diferença que só um de nós morre no final.
— Você me disse que queria contar tudo o que aconteceu naquela noite... — Anita retoma a conversa quando percebe que fiquei distraído demais olhando para a lareira. — Sabe que as pessoas falam muito sobre você por aqui, a sua história é uma lenda...
Dou uma risada fraca quando ela diz isso. As pessoas enxergam o que querem ver e é exatamente esse fato que as tornam tão perversas. Becca e eu não escapamos da crueldade dos humanos, muito menos daquele que dizia amá-la tanto, que prometeu cuidar dela pra sempre.
— A história ganhou muitas versões — falo de forma calma e uno minhas duas mãos enrugadas sobre meu colo, alisando um dos meus anéis —, mas nenhuma dessas pessoas estava lá, ninguém sabe o que aconteceu.
— Realmente, foi tudo um grande mistério. — ela comenta, enquanto anota algo na sua caderneta. — Desde que sou criança ouço falar do Halloween na Rua Baker como uma história de horror, o senhor confirma isso?
— Adoro o fato de que algumas pessoas são incapazes de considerar a tragédia como uma forma de amor — dou de ombros por um momento —, mas não, o Halloween na Rua Baker não é uma história de horror, Anita, é uma história de amor e eu vou te contar o porquê...
"Tudo começou em uma época onde o mundo parecia estar evoluindo em todos os sentidos, mas não era bem assim que funcionava na pequena província de Laguna Beach, no sul da Califórnia.
A cidade era pequena, todos aqui se conheciam. Na verdade, sendo bem sincero, eles achavam que se conheciam e levavam uma vida de falsidade, onde se conversava com o vizinho pela manhã para reclamar dele à tarde.
Eu morava com meu pai aqui, nesta majestosa mansão que tem como vista o oceano. Na época, era uma das casas mais cobiçadas da região e, uma parte de mim, não entendia por que, já que todo mundo tinha uma casa com vista para o mar.
Com a gente, moravam também Henry, que era o nosso mordomo na época e o seu filho Ashton, que era um pouco mais velho que eu. Nós os acolhemos depois que a matriarca da família faleceu, eles não tinham mais ninguém a não ser nós dois. O que era um fato curioso, já que eu e meu pai sempre fomos sozinhos, minha mãe faleceu quando eu nasci, então nem tive a chance de conhecê-la. Eles lembravam muito nós dois e talvez fosse por isso que eles sempre foram leais a nós.
Quando conheci Rebecca, eu estava na praia com Ashton e alguns amigos, era um dia ensolarado de verão, daqueles que a gente sente que tinha tudo pra ser perfeito e realmente foi. Começamos a conversar por ter alguns amigos em comum e eu não lembro de ter visto ela em qualquer lugar dessa cidade minúscula antes, mas engatamos em um papo sincero sobre o mundo, a natureza e o futuro. Ela gostava disso, de como as coisas estavam mudando por aqui.
Nosso primeiro beijo foi naquele mesmo dia, na praia, sob o pôr do sol. Ela estava rindo de alguma piada quando eu tirei o cabelo do rosto dela com uma das mãos e, quando ela me olhou, foi como se o mundo tivesse parado."
— Então, você era mesmo apaixonado por ela? — Anitta pergunta de forma curiosa.
— Eu nunca deixei de ser — falo com uma convicção que faz ela estremecer.
"Depois daquele dia, Rebecca e eu começamos a nos ver mais. Descobrimos que estudávamos na mesma escola e que nosso grupo de amigos ia sempre à praia nos finais de semana.
Eu me apaixonei por ela mais rápido do que eu sequer poderia imaginar e, se eu soubesse de tudo que iria acontecer entre nós, talvez eu tivesse pensado duas vezes antes de passar as mãos sobre o cabelo dela e beijá-la na praia sob o pôr do sol pela segunda vez consecutiva.
Naquela época, eu faria qualquer coisa pra não ter permitido a sentença de morte a qual nós dois estávamos fadados. Mas não fiz, eu não percebi que tinha algo de errado em tudo isso.
O tempo foi passando, Becca e eu nos víamos cada vez mais e eu sentia que ela correspondia aos meus sentimentos, mas, por algum motivo, ela fazia questão de manter só entre nós tudo o que estava acontecendo. Não vi problema algum nisso, até sugeri de me encontrar com ela escondido no meio da noite na cabana do meu pai que, por alguma coincidência, ficava bem perto da casa dela, do outro lado da cidade.
Nunca entendi por que meu pai ainda mantinha aquele terreno, íamos lá apenas em época de caça e, ainda assim, não era com frequência. Mas depois da Becca, parei de reclamar sobre a inutilidade daquele lugar, porque sempre ia ser o nosso lugar, o meu e o dela.
Depois do verão, o outono já fazia as árvores se alaranjarem, deixando toda a nossa Laguna Beach com um aspecto envelhecido, preparando-a dia após dia para o inverno. As folhas caíam pelo chão enquanto caminhávamos de mãos dadas pelo bosque, entre a cabana e a casa dela.
— Você deveria vir ao Baile de Halloween lá em casa... — Becca comentou, como quem não queria nada.
— Mas o Halloween já é semana que vem — falo dando uma risada, pronto para declinar o convite dela —, tem certeza que o seu pai vai ia gostar? Além disso, não tenho o que usar.
— Não é nada muito elegante. — ela desvia o assunto sobre o próprio pai. — Você pode usar qualquer coisa, tudo fica bem em você!
Assim que disse isso, Becca me puxou para um beijo, no meio da escuridão da noite. Eu sempre me perguntei por que ninguém poderia nos ver mas, talvez, a resposta fosse óbvia. Eu não conhecia a família dela, não éramos oficialmente namorados e esse tipo de comportamento poderia nos render uma punição, ainda mais em uma sociedade tão conservadora quanto a que vivíamos.
Me separei dela e, caminhando próximo à uma árvore, puxei ela de volta pra mim.
— Becca, você sabe que isso não é o certo, não é? — reclamei baixo enquanto aproximei a minha boca do pescoço dela, beijando devagar. — Você não pode me levar em uma festa sem nunca ter me apresentado para o seu pai.
— Mas eu vou te apresentar pra ele lá — ela diz com a voz abafada. —, por enquanto, basta você me dizer que ainda quer ser o meu 'pra sempre' apesar de não ser oficial, apesar do meu pai ser um careta...
Surpreendi ela com um beijo intenso, sentindo a pele se arrepiar sob as minhas mãos. Quando nos separamos, apesar de estar escuro, vi os olhos brilhantes me encarando com atenção e eu sei que ela estava esperando uma resposta. A resposta que eu ainda não dei.
Ficamos um momento assim, sem dizer nada, só olhando um para o outro. Uma parte de mim sentiu o peito se esquentar com o quanto eu a queria e logo fui golpeado pela certeza de que vai ser difícil fazer isso acontecer, mas ignorei todos os sinais vermelhos na minha cabeça e dei um sorriso sincero pra ela.
— Você é o meu 'pra sempre', Becca. — digo baixinho, enquanto encosto minha testa na dela —, você sempre vai ser o meu 'pra sempre'.
Ela sorriu de volta, retornando ao tom animado e esperançoso.
— Isso quer dizer que você vai ao baile conhecer o meu pai? — ela falou, se afastando pra poder me olhar.
— Eu ainda preciso de uma fantasia..."
Anita me encara em silêncio sentada no sofá, absorvendo cada detalhe da história que estou lhe contando. Respiro fundo ao me lembrar desse dia, da decisão que eu tomei, mesmo depois de tantos alarmes na minha mente. Mas eu não podia dizer 'não' pra ela. Eu simplesmente não conseguia.
Até hoje sinto o gosto daquele beijo, como se Rebecca ainda estivesse aqui comigo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
halloween na rua baker | cth
FanficAnita Casatti é uma jovem jornalista que foi convidada para ir à mansão dos Hood ouvir a verdade sobre a maior história de Halloween de Laguna Beach. O mistério por trás do que aconteceu com Rebecca Capuleto está pronto para ser desvendado, depois d...