Capítulo 4

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Ressaca deveria ser proibida por lei, como pode uma noite divertida te causar dores infernais no outro dia?

Essa porcaria está muito errada. 

— Não custa nada tentar, Ana, e se der tudo errado, a gente busca ela. 

— Você enlouqueceu e eu tô gostando disso. 

A conversa dos pombinhos na cozinha parece algo safado, no qual me recuso a prestar atenção, apenas o cheiro do café merece meu respeito a essa hora da manhã. 

— Que horas são? Preciso estar no estúdio antes que mamãe apareça por lá. 

— São dez e meia da manhã e sua mãe ligou sessenta e duas vezes antes do seu celular finalmente morrer. — Ana me informa com uma calma invejável. 

Puta que merda infinita, ela vai me matar com todas as razões do mundo a favor dela.

— Por Deus, Ana, por que não me acordou se você sabe que ela é louca? 

— Justamente por saber que ela é louca. 

Giro meus pés em direção ao quarto de hóspedes, se eu aparecer com essa cara de ressaca, talvez mamãe acredite que eu esteja de luto por alguém. Meu Deus do céu, hoje é dia de ela arrancar o couro dos meus pés na sapatilha. 

— Você não vai a lugar nenhum, Helô, sua irmã está em casa então é provável que sua mãe nem tenha notado sua ausência. 

— Isabela está aqui? O que houve, Ana?
Me desespero por saber que minha irmã nunca voltaria sem um motivo importante. 

— Eu pedi que viesse, senta que vou explicar. 

Com toda calma que não habita em mim, eu me sento na cama, ainda vestida com um pijama ridículo de criança e ouço cada parte do fabuloso plano onde meus melhores amigos querem me expulsar da cidade. 

— Deixa ver se entendi, acabamos de ver um filme onde a garota é violentada no meio do mato e depois assassina todo mundo, e agora você quer me mandar para o cenário do filme? Tô fora.

— Não é nada disso, garota louca, lá não há perigo, eu garanto. Apenas quero que você passe um tempo se dedicando às próprias vontades sem ninguém conhecido por perto. 

— Por que tem que ser no meio do mato?

— Porque é a única cabana que temos, e é muito boa, aliás.  Se colocássemos você em um hotel, sua mãe a rastrearia em questão de minutos. A ideia é te esconder dela. — Andrés se junta a nós, esclarecendo os pontos que me desesperam nessa ideia louca.
 
— Por que chamaram minha irmã?

— Para ter em quem colocar a culpa e ela adorou a ideia. 

Pondero por um momento tudo que tenho vivido nos últimos anos, as renúncias que fiz para satisfazer mamãe, as vezes que algo em Renato me desapontou mas escolhi guardar para que ele não se magoasse com a minha opinião. Quando meu cérebro começa a encontrar motivos pelos quais eles me tratam assim eu percebo que realmente há algo de errado e preciso de espaço.

— Tudo bem, digamos que eu aceite o convite, como seria isso? — pergunto, curiosa com o que os dois estão aprontando.

— Precisa antes terminar com Renato de vez e dizer que estará fora da cidade, acho que por e-mail é mais legal. Quanto à sua mãe, a gente pensou que um telefonema seria o suficiente. 

— Não, gente, não posso virar as costas sem dar uma satisfação a ela. 

— Pode e vai. Isabela vai fazer suas malas, Andrés vai preparar tudo para essa viagem e, até lá, você fica aqui em casa.

Uma mudança drástica de comportamento que pode matar minha mãe do coração. Ou ela pode arrancar o meu assim que me encontrar, é um risco. 

— Ainda não sei, me parece radical demais. 

Ana me olha consternada com a minha possível recusa, mas antes de listar os milhares de motivos pelos quais eu deveria fugir, ela sorri. 

— Conte a ela, marido. — Ela pede olhando para o parceiro de crime com o qual se casou. 

— Se aguentar trinta dias naquela cabana, sem fazer contato com ninguém além de nós dois e sua irmã…
— Isso quer dizer sem ligar para mamãe ou Renato? — interrompo. 
— Sim, se aguentar esse tempo sem fazer contato com Nádia e o Dick Vigarista, eu e Ana financiaremos a sua própria companhia de balé. Uma escola com seu nome e seus sonhos. 

Nossa, é uma realidade totalmente guardada apenas em meus sonhos, meu próprio lugar para voar. 

— Topa? — Ana pergunta, mais inquieta que meu interior, pulando de ansiedade. 

— É um desafio, mas eu topo. 
Respiro, aliviada por tomar decisões por mim e amedrontada porque, sem as rédeas de Nádia, os imprevistos estão por minha conta. 

— Ótimo, que comecem os jogos. — Eles gritam em uníssono. 

Foi bizarro, mas são os irmãos de outra mãe que a vida me deu e nunca me colocariam em encrenca. 

— Agora levanta essa bunda daí e vai tomar seu café que hoje não é dia de trabalho, vamos pensar em tudo que precisamos para dar início à sua aventura na selva. 

— Selva não, amor, vai assustar a garota. — Andrés grita, já na cozinha. 

— Tudo bem, super tranquilo, talvez um gato apareça por lá, nada com o que se preocupar. 

— Eu gosto da calma que os gatos têm. 

— Sim, muita calma e selvageria. — Ela debocha me deixando confusa. 

— Ana Maria Peres, pelo amor de Deus fique quieta! — Andrés a repreende de novo — Não liga, Helô, ela só está sendo a mesma boba de sempre.

— Tudo bem, tropa, vamos comer e planejar. — Eu declaro dando início ao meu plano de fuga do mundo atual. 
 

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