Capítulo 9

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Café é um dos meus aromas favoritos nessa vida, só o cheiro é capaz de acalmar meus ânimos ou me despertar de um sonho bom sem causar um grave mal humor. Abro os olhos imaginando a belíssima refeição que meu cavalheiro de armadura reluzente preparou, quero me arrumar, estar com o cabelo ao menos apresentável, depois da noite de ontem é como se eu quisesse estar bonita quando nos víssemos novamente. 
— Bom dia, bela adormecida. — Hendrie me assusta, fazendo com que eu me desequilibre ao virar e caia da cama enrolada no lençol.
Ótimo, aqui desistimos do plano de estar uma Angelina Jolie às sete da manhã. 
— Que droga, Rambo, quase me matou de susto. 
— Ontem você sabia falar meu nome corretamente mocinha.
— Ontem foi ontem, que pode se repetir hoje, mas antes preciso fazer minha higiene matinal e ajeitar a cara monstruosa que fico quando acordo. 
Levanto tentando passar por ele, que me intercepta e joga na cama, esse homem é uma diversão boa que me faz querer nunca mais voltar para São Paulo; talvez eu aprenda a viver comendo frutinhas.
— Você está bem assim, mesmo que não estivesse eu tenho te observado dormir a vários dias e já estou acostumado com seu cabelo revolto, além do que nada supera seu ronco.
— Eu não ronco — respondo, chocada com a audácia desse cara.
— Talvez só um pouquinho, mas é justo visto que seu corpo estava totalmente relaxado depois que eu cuidei bem de você. 
Uma fagulha de nervosismo e vergonha se apossa de mim, meu pai eterno, o homem me viu na luz acesa e ficou de cara com a minha intimidade gordinha. 
Renato amava meu corpo magro, nosso sexo era ótimo até que eu caí em depressão e os quilos a mais deram o ar da graça, nossas ultimas transas eram no escuro porque ele dizia ser estranho olhar para daquela forma, o que me doía, mas por amá-lo eu entendi. 
— Terra chamando Heloísa, onde você foi?
— Estava pensando em coisas idiotas, nada demais. 
Me cubro a fim de esconder meu corpo nu, mas Hendrie me olha estranho, um olhar aturdido tentando entender reações que nem eu entendo.
— Está com vergonha de mim, Helô.
— Não, claro que não. — sorrio tentando acalmá-lo, quero mais é deixar isso para lá, não há necessidade de estragar o dia que ainda está no início.
— Não foi uma pergunta, Heloísa, e por favor pare se sentir assim. Você é bonita, inteligente, comunicativa e dona de um talento que poucos possuem, pare de se achar inferior apenas porque alguém disse que esse não era o corpo perfeito para você. Você é perfeita à sua maneira e, se minha opinião conta aqui, seu corpo é completamente delicioso porque você inteira é uma pessoa deliciosa. 
Ele me beija devagar com um toque leve, com a mesma delicadeza que uma folha se desprende da árvore para tocar o chão. Devagar e tranquilamente.
— Obrigada. 
— Pare de me agradecer e coma o café que fiz para você, hoje preciso cuidar do deck e dar uma olhada em como as hortaliças ficaram após a chuva. Você, mocinha, vai fazer sua corrida e depois prometo compensá-la com algo cheio de açúcar.
— Se for assim, eu topo, vou pensar em algo muito calórico e com algum creme cheirando a baunilha, sabe? 
Hendrie balança a cabeça e me deixa sozinha com uma bandeja enorme; eu sou gordinha, sim, mas há comida para, ao menos, três seres humanos aqui. Será que ele pensou que eu acordaria mais esfomeada que o normal? 
Gargalho sozinha, imaginando o que podemos fazer no tempo que ainda temos: sexo, sexo e mais sexo.
Eu poderia transar trepada na árvore, talvez, parece uma ideia bem típica do cenário que temos, algo à luz da lua ou então no meio da mata com o sol ardente. 
Ai, ai, a vida da garota safada que habita em mim é muito difícil, não que eu não transasse antes; gosto de sexo, só não tive muitas experiências com sexo de qualidade e, se o oral desse cara já me desmontou, então estou pronta para andar de cadeira de rodas por uma semana. 
Meu ex sempre foi bonito, o típico rico com cara de nerd que deixava as garotas assanhadas, sempre teve cuidado com o corpo, rotina impecável de treinos e uma alimentação que Deus me livre, mas Hendrie era diferente. O homem é uma máquina de um metro e noventa e tantos, sei lá, há mais músculos do que posso imaginar que exista, gominhos deliciosos e veias saltadas pelo braço.
“Inês do céu, valei-me”, não tenho estrutura para isso.
Canso de suspirar sozinha e decido que é hora de começar o dia, a cabana é linda e preciso lembrar de brigar com o Rambo pelo quarto, nem sob tortura eu volto a dormir na sala. 
Termino de me arrumar e estou quase concluindo as tarefas que me dispus a fazer antes do almoço e, quando menos espero ele passa pela porta, forte e capaz de preencher todo o ambiente sem ao menos dizer uma palavra. 
— Está serelepe hoje, bailarina, acordou com energia ? — mostro a língua e evito entrar na sua pilha. 
Assim que termino meu trabalho, o suor escorre e meu corpo pede por banho, pondero se devo usar o meu banheiro singelo localizado no corredor próximo à sala ou se uso o imenso banheiro de mármore com banheira e ducha incrível, mas opto pelo meu mesmo, é mais rápido e, nesse momento, só quero me refrescar.
— Não demore no banho, bailarina, ou vai ter que comer sozinha.
Me apresso em lavar a sujeira grudada com o suor, eu detesto comer sozinha e é engraçado como isso nunca mais aconteceu desde que reclamei. 
Nos primeiros dias, Hendrie comia e ia para o seu quarto ou, raramente, ficava sentado na varanda enquanto eu era obrigada a suspirar sozinha pela comida maravilhosa. Mas, como sou uma boa garota birrenta, tive que fazer o meu show. Ele ficou um pouco assustado com a reação, afinal com a vida solitária que levou era comum nunca ter companhia para as refeições. Nunca mais houve um único dia que comi sozinha, até mesmo quando cochilei no sofá, ele esperou que eu despertasse para então jantarmos. 
Tudo aqui é novo e a experiência é de longe a mais surreal que já vivi, cuidar de mim mesma sozinha, até mesmo lavar louça tem sido prazeroso, já que esse castigo foi roubado de nós há muito tempo. Mamãe mataria alguém se soubesse que tocamos em um detergente, pobre senhora Reis maluca. 
— Estou pronta para o cardápio de hoje — declaro vestida com roupão e toalha na cabeça.
— Existe calcinha por baixo disso aí? — pergunta.
— Existe, sim senhor, preste atenção na comida, rapaz. — respondo com um olhar irritado que logo se desfaz em risadas. 
— Calma, que era mera curiosidade, agora é hora de comer, não pense besteiras.
Eu pisco como quem acredita nesse deboche sem noção, o cheiro está divino e a corrida de hoje terá que queimar mais do que deveria. 
— Lasanha, Rambo? Como vou ser magra assim, amigo?
— Não precisa ser magra, tá gostosa. Só precisa cuidar da sua saúde, o restante deixa comigo que eu cuido. 
— Muito bonito, depois me obriga a correr vinte quilômetros. Quer saber, eu vou é dormir naquele sofá lindo que era a minha cama.
— Nada disso, você vai comer e descansar por duas horinhas, depois pode levantar essa bunda gostosa e correr por aqui mesmo, até a clareira e voltar, as árvores não vão te deixar exposta ao sol e o caminho é tranquilo, não vai se perder. 
Almoçamos acompanhados de risadas e um clima fácil, não me lembro quando foi a última vez que fiz isso, tudo com mamãe é tão complicado e Renato é um pobre idiota sem tempo. Tudo por aqui é diferente, como se a atmosfera fosse outra, não sei de quem foi a ideia de comprar esse lugar, mas meus amigos estão de parabéns. 

Logo após meu descanso, decido que preciso cuidar de mim, me acostumei com rotina de exercícios que mamãe me impôs, a parte desgastante era aguentá-la, na verdade. Aqui é diferente, não estou lutando pela magreza, mas sim pelo poder do cuidado, não importa se as corridas me emagrecem, o mais importante é o tempo que passo comigo mesma, como isso faz bem e zela para que eu tenha uma mente sã e saudável, é o meu tempo apenas para mim. 
Passo a clareira coberta por flores e inspiro o ar fresco, a primavera acabou de chegar, o que torna o verde mais verde e as flores perfeitas; respiro e descanso por alguns minutos antes de retomar o caminho que me levará de volta à cabana. 
Me lembro que, não muito longe dali, há um pomar com amoreiras lindas, carregadas de frutas roxas e doces, perfeitas para a melhor torta de amoras do mundo. 
Caminho por cerca de um quilômetro e não as encontro, tenho certeza que o caminho é esse aqui. Dou a volta em um tronco novo e quando percebo tudo em volta é verde.
Árvores, mais árvores e nada das minhas amoras, não faço a menor ideia de qual lado elas estão, então decido voltar à clareira antes que eu me perca. 
Retomo o ritmo de corrida e deixo que o vento suavize o calor, tá quente e úmido, nada de chuvas, mas a temperatura é aceitável.
Quando percebo, já corri mais do que deveria e não há sinal do caminho, nem da cabana. Eu não sei onde estão as flores amarelas que sinalizam a trilha e nem o canto dos pássaros está por aqui. 
Meu coração ameaça parar com a realidade que me sufoca, eu estou perdida sozinha e no meio do nada.

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