começo

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“Eu te amo”

  “Eu te amo”

Fale que ama ele...

  — Olha, eu não vou morrer por você – disse sério. A mentira que mais doeu, porém saiu como as outras, em meus abrir e fechar de lábios. Seus olhos diziam “e daí?”, correspondendo a sua maneira sempre afrontosa.
Respondeu no mesmo tom, não demorando muito para rebater... Gosto de pensar que você tinha dito uma mentira assim como eu, mas se realmente fosse deveria ser por sua maneira de ser, não por gostar de mim ou algo do tipo.

  Em um simples piscar, aquele dia se repetiu em minhas memórias. Eu apenas gritava comigo mesmo do passado, para que falasse tudo que eu entendia agora. As frases pareceram desmoronar em minha mente, como pequenas peças colocadas com desleixo, mas que eu direcionava toda minha atenção para arrumar. Antes que fosse soterrado, quem proporcionou a queda, agora me puxava para uma dança.
  
  Em meio a caixas, abertas e fechadas. Imóveis em posições incoerentes com o espaço do local. Pisando em plástico bolha e sacolas plásticas que haviam sido arrancadas com presa por mãos ansiosas. Ela sorriu de maneira radiante, pulando em meu colo e entrelaçando as pernas em minha cintura, capturando meus lábios em rápidos selos, que se espalharam por meu rosto de maneira besta, sua mão deslizou pelo meu rosto, por fim me soltando. Já firme no chão, ainda parecia presa em meus braços.

  — Eu juro que você não vai se arrepender, grandão – neguei ao sentir um fraco soco em meu peito — Sabe que cheiro é esse?

— De coisas que acabaram de sair da loja? – perguntei.

— Errou, Raeken. É cheiro de começo...

   Então anos se passaram... Esse começo se tornou tão natural, tão perfeito.

   Liam pov.

   Em frente à mais uma porta. Coração pedindo para eu parar de me colocar naquela situação e ao mesmo tempo mandando eu estar ali. A porta branca ainda tinha um enfeite de Natal pendurado, um belo sino. Sorri com aquilo, me perguntando se Theo realmente morava ali. Não imagino ele colocando aquelas coisas na porta.

   Decidi bater na porta, mas ninguém atendeu, presumi que não havia ninguém ali. Me desencantei. Entretanto, acho que não estava realmente pronto para aquele reencontro. Decidi pensar que o universo me deu uma oportunidade de pensar direito. Dei um passo em direção à fora da área da casa. Assustando-me ao encontrar uma pequena figura.

    Seu nariz levemente avermelhado pelo frio foi rapidamente coçado por sua pequena mão enluvada. Coberto dos pés à cabeça de peças apropriadas para o clima em tons variados de verde. O garotinho bateu as botas contra o chão, parecendo natural mesmo com minha presença. Olhei rapidamente ao redor, em procura de algum sinal de outras pessoas, mas havia apenas o garoto alí.

  — Oi – disse baixo para não assustá-lo. Os olhos escuros pareciam distraídos, provavelmente, na própria imaginação. Seus cabelos acastanhados eram espremidos contra a testa, por causa da touca — Pode me dizer para aonde o homem desta casa foi? – seus olhos foram à porta, então voltaram para mim.

— O senhor Raeken não está? – perguntou parecendo decepcionado, triste.

  — Bati, mas ninguém atendeu – disse. O olhar do menininho pareceu se abaixar — Hey, tudo bem?

— A mamãe pediu para eu chamá-lo, a vovó não está bem – disse em receio. Lancei-lhe uma expressão confusa, esperando que o garoto desse mais contexto para aquilo — Ela sempre fica melhor quando ele está por perto... – comentou entristecido. Então tive noção do que poderia ser. Theo provavelmente devia tirar a dor da mulher,ou algo do tipo.

— Ei – tentei ter a atenção dos olhos dele novamente. Consegui, mesmo sendo lançados de maneira baixa — Me leve até sua avó, eu ajudarei...

  
      Realmente era o que eu havia pensado. Porém, quando chegamos, já era tarde. A senhora de idade se negava a ser levada ao hospital, sentia que já estava próxima da morte, queria estar com a família até o último suspiro.

   Os olhos perderam o brilho... Soltei a mão, um tanto esquelética, da mulher, ajeitando ao lado de seu corpo sem vida. Ouvi soluços, antes que os berros de uma filha inconformada tomassem conta do local. Sendo consolada pelo seu esposo, a mulher chorava. Seus gritos transmitiam uma dor indescritível, cada vez mais altos, repelindo qualquer hipótese de que sua calma chegaria. O pequenino correu para longe dos braços dos pais, sem entender muito o que havia acontecido, mas altamente preocupado com a mãe que parecia ter assustado ele.

   Levantei ao ver que Leonard, como o pequeno garoto se chamava, havia corrido em direção à porta aberta, saindo da casa. Fui atrás do garoto, correndo em sua direção, mas permitindo que ele fosse à frente, que trilhasse seu caminho até se conformar.

    
    Não demorou muito para o garoto parar em um banco coberto por flocos de neve. Encolhido, abraçando as próprias pernas. Suspirei, então me sentei ao lado do garoto, limpando o banco antes.

— Não pode ficar aqui fora, rapaz – tentei avisá-lo, mas sabia que aquilo não era preocupação na cabeça do garoto — Sabe... Sua touca é mais bonita que a minha, poderíamos trocar... – tentei puxar qualquer assunto que pudesse descontrair o garoto — Eu acho a sua incrível de verdad...

— Eu não vou vê-la de novo? – me interrompeu. Não soube o que dizer, o garoto parecia centrado naquilo, ignorando eu, como se soubesse porque eu estava alí.

— Bem, pessoalmente não... – Leonard olhou para mim — Mas quando amamos alguém essa pessoa fica eternamente em nossas memórias, independente do que fez ela ficar distante – o garoto pareceu pensar. Eternamente. Assim como a morte, ele lembraria eternamente. Leonardo ainda é uma criança, uma perda como essa se grava nas memórias, mais do que a pessoa que partiu. A dor permanece mais do que as boas lembranças, mas é exatamente a dor que mantém as lembranças ali — Lembrará que o último olhar foi direcionado à você, sei que tudo que havia nele era amor – olhei para o pequeno. Pensativo de uma maneira preocupante.

   Talvez eu tenha falado algo de errado. A maneira que eu aprendi a lidar com perdas podia se mostrar insensível naquela situação. Mas Leonard apenas sorriu com a ideia que eu tinha passado. Deixando-me mais aliviado.
 
  — É amigo do senhor Raeken? – perguntou parecendo dispensar os pensamentos anteriores com facilidade, assim como todas crianças fazem. Suspirei com a pergunta.

— Digamos que sim – respondi — Senhor Raeken? Há quanto tempo o Theo mora aqui?

  — Faz – o garoto ergueu as mãos, começando a contar os dedos — Fazem... – pareceu confuso se perdendo na contagem — Um, dois, três... – começou uma baixa contagem. Mas por fim desistiu, me olhando de maneira chateada por causa da pergunta.

— Esquece – acabei rindo — Sabe me dizer quando ele passou a frequentar sua casa?

  — Quando a vovó adoeceu pela primeira vez – foi fácil para ele responder, mas pareceu se abater ao dizer — Ela estava sentindo fortes dores, os médicos não souberam dizer o que era...

  — Sinto muito, Leonard – senti uma certa necessidade de dizer. O silêncio durou minutos — Você é amigo do Theo? Como conheceu ele? – perguntei fazendo ele me olhar.

— A Senhorita Ribeiro é minha professora da escolinha, o Senhor Raeken foi levá-la até o serviço em uma carona, foi a primeira vez que vi ele. Mas depois descobri que eram meus vizinhos. Quando chutei a bola, sem querer, na janela deles – explicou deixando bem claro o “Sem querer”, segurei meu riso.

— Aham, sei. Senhorita Ribeiro?

  — Sim, o sobrenome dela ainda é Ribeiro porque ainda são somente noivos. Mas não há problemas em chamá-la de “Senhora Raeken” – disse como um aviso, de maneira espontânea, soando alegre.

  — Como? – meu fraco e impotente sussurrou confundiu o garoto. Não percebi que estava assustando ele, até que o mesmo se encolhesse. Então desviei o meu olhar, tentando disfarçar a surpresa.

  Noivos... O Theo tinha uma noiva?

 

   

 

Thiam - Mais Que OlharesOnde histórias criam vida. Descubra agora