Cego, Surdo e Tetraplégico

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Naquela enevoada manhã de inverno, acordei e abri os olhos. Tudo estava preto, preto demais para ser apenas a luz apagada, uma vez que a janela sempre ficava aberta e a rua tinha postes de luz. Tentei me levantar, mas meus músculos não responderam. Estava destituído de minha visão e dos movimentos de meus membros. De alguma forma, a noite me tornara cego e tetraplégico. Os únicos movimentos que conservava eram os faciais. Gritei pelo nome da minha mulher, que, se eu tivesse acordado na hora de costume, ainda estaria em casa.

— Hanna!

Não houve resposta. Repeti:

— Hanna! — E acrescentei: — Não consigo ver, nem me mexer!

Provavelmente devido a ter acabado de acordar, só percebi então que não tinha ouvido meus próprios gritos. Será que gritei mesmo? Por via das dúvidas, tentei mais uma vez:

— Hanna! — continuei sem ouvir.

Prestando maior atenção ao me redor, não distingui nenhum som, mesmo morando próximo à uma avenida movimentada. Nenhum carro, nenhuma buzina, nenhuma voz, nenhuma reforma nas casas dos vizinhos — de certa forma um alívio, mas também um terror. Ou eu também estava surdo ou todos tinham decidido fazer silêncio. Acatando a primeira opção como muitíssimo mais provável, chamei de novo:

— Hanna! Estou cego, surdo e tetraplégico!

À essa altura, minha mulher provavelmente já estava no quarto, e talvez já tivesse até chamado uma ambulância, mas só fiquei sabendo de sua presença com certeza quando senti seu dedo em meus lábios, como que pedindo que me calasse. Eu sabia que era ela pela maciez de sua pele e pelo seu perfume Channel. Aquela foi uma sensação maravilhosa. Acalmou meu desespero e me fez sentir seguro ao lado do amor de minha vida.

Cego, Surdo e TetraplégicoOnde histórias criam vida. Descubra agora